O ritual provoca arrepios. Primeiro, a pele é levemente queimada com um cipó em brasa. Em seguida, a película da queimadura é retirada. Só então uma secreção extraída da perereca Phyllomedusa bicolor é esfregada nas pequenas feridas. É assim, dessa forma um tanto estranha aos olhos do morador da grande cidade, que o psiquiatra Wilson Roberto Gonzaga da Costa, pesquisador da medicina indígena, está testando em São Paulo a eficácia do Kambô, o nome dado pelos índios à substância retirada do anfíbio. O médico quer saber se o composto tem mesmo efeito contra a depressão e se funciona como uma espécie de vacina de ânimo natural, como acreditam os indígenas. Por isso, aplica a substância exatamente da mesma forma que aprendeu numa tribo no Acre.

Os índios usam a Phyllomedusa há muito tempo. “Para eles, a secreção funciona como um antidepressivo. É o remédio para a síndrome de Panema, quando perdem o ânimo, a vontade de caçar e namorar. É usada também para aguçar os sentidos na hora da caça”, relata Costa. Nos testes feitos até agora com voluntários, o médico garante que os resultados são alentadores. E depoimentos como o da produtora de filmes Cibele Cellini, 30 anos, comprovam. “Fiz a aplicação três vezes. Na primeira fiquei enjoada, na segunda vomitei e na terceira deu um pouco de sono. Mas sempre depois de meia hora esse estado passa e o que fica é uma sensação de bem-estar, de ânimo”, conta.

Vacina – A substância também está sendo pesquisada na Universidade do Amazonas, em Manaus. Lá, o biólogo Marcelo Gordo estuda a secreção, conhecida por ele como “vacina de sapo”. De acordo com o pesquisador, o composto também é utilizado por integrantes de uma seita chamada União do Vegetal. Entre eles, é usado para purificar o sangue e eliminar doenças. O biólogo resolveu testar a substância em si mesmo. “O efeito foi instantâneo. Minha cabeça parecia que ia explodir, tive vertigem, sentia como se fosse desmaiar. Depois passou, mas no dia seguinte ainda ficaram resquícios de uma sensação estranha”, relata.

Estudos realizados até agora mostram a presença de opióides, substâncias semelhantes ao ópio, na secreção da perereca. Elas seriam de fato responsáveis por um aumento da sensibilidade dos sentidos. Mas o composto pode ter outras qualidades. Pelo fato de viver em pântanos – ambiente muito propício a fungos e bactérias –, como outros anfíbios, a perereca pode produzir ainda na sua secreção algum ingrediente poderoso contra esses microorganismos. “Estudando esses animais, poderíamos aprender como lutar contra as bactérias”, defende Carlos Jared, biólogo do Instituto Butantã, em São Paulo. “Ainda não se sabe se a secreção é metabolizada pelo corpo nem o que podem fazer as outras substâncias presentes no líquido. Mas com pesquisas e investimentos ela pode se tornar um antibiótico”, conta Carlos Bloch Jr., bioquímico da Universidade de Brasília.

Antibiótico – No entanto, a perereca não é o único animal na mira dos cientistas brasileiros. Pesquisadores do Instituto Butantã e do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo estão investigando se a gomesina, substância retirada do sangue da aranha caranguejeira, tem ação antibiótica e com efeito mais rápido do que as drogas convencionais. Hoje, esses remédios demoram cerca de uma hora e meia para fazer efeito. Já a gomesina pode matar bactérias em até cinco minutos, como demonstraram testes em laboratório. E, por incrível que pareça, a substância é semelhante a outra, extraída do sangue do porco, chamada de protegrina. Com efeito antibiótico potente, ela deve ser transformada em remédio. “Procuramos descobrir como os bichos se defendem das mesmas bactérias que nos atacam. Os animais que vivem em ambientes sujos e os que vivem muito são a primeira dica na pesquisa dos remédios”, ensina Sirlei Daffre, cientista da USP.