Quando se fala em Golfo Pérsico, é inevitável a lembrança da Operação Tempestade no Deserto, a guerra dos Estados Unidos e seus aliados para tirar as tropas de Saddam Hussein do Kuait. Por associação, vêm imagens de praias poluídas, bombardeios e destruição. Passados dez anos do conflito, a situação naquela parte do mundo mudou radicalmente. A transformação é tão sensível que os dois países mais “liberais” do Golfo, Emirados Árabes Unidos e Omã, viraram sofisticados pólos turísticos. Movidos a petrodólares desde a década de 70, ambos exibem contrastes chocantes.

No cotidiano, tradições milenares convivem com ícones da modernidade. No meio do deserto, onde até há poucas décadas só havia tendas beduínas, surgem cidades com arquitetura futurista. Nas estradas de asfalto impecável, placas indicam travessia de camelos para motoristas ao volante de carros possantes, como Porsches e Ferraris. Nenhum dos dois países tem rio, mas a poucos quilômetros da aridez dos desertos esparramam-se praias de águas cristalinas.

Antiga aldeia de pescadores, Dubai reflete estes contrastes como nenhum outro lugar. Situado às margens de uma enseada, é um dos sete emirados que há 29 anos se rebelaram contra o domínio britânico e se uniram para formar uma nação independente. Cada emirado é governado por um xeque com soberania nos assuntos internos.

A capital dos Emirados Árabes é Abu Dhabi, mas Dubai, por sua tradição como entreposto comercial, se transformou em uma espécie de Hong Kong do Oriente Médio. Por suas avenidas apinhadas de arranha-céus circulam anualmente 1,5 milhão de turistas, mais do que o dobro da população. Nas mesmas ruas, mulheres silenciosas e arredias ao contato com estranhos exibem abayas, as vestimentas negras que escondem seus corpos, e burquas, as máscaras que cobrem seus rostos, deixando à mostra apenas os olhos. Por baixo dos panos negros muitas usam Cardin e Gucci. Lojas de grife proliferam nos shopping centers. Os homens, por sua vez, vestem dishdashas, camisolões de algodão ou seda, em geral brancos.

Rali – Embora seja banhado por uma enseada, Dubai foi construído em pleno deserto, com a temperatura no verão em torno dos 40ºC. No inverno, entre os meses de novembro e abril, a temperatura fica em torno dos 25ºC, mas pode baixar até 15o. A temperatura mais amena é registrada no deserto, destino preferencial dos estrangeiros que viajam pela região. Durante visita a um acampamento no deserto de Margham, a apenas 45 quilômetros de Dubai, a americana Marcia Stawarki estava eufórica. “Andar pelo deserto é como estar num filme, ao lado de Lawrence da Arábia”, exagerou Marcia, referindo-se ao lendário escritor e oficial britânico.

Para chegar ao acampamento e participar de um jantar beduíno, regado a música e dança do ventre, o viajante escolhe se quer fazer o percurso com muita ou com pouca emoção. Caso a opção seja manobras radicais na areia, são grandes as chances de se ter como motorista o iraniano Abdul Rahin, 27 anos, há cinco no ramo. Ao volante de uma picape, ele sobe e desce pelas dunas com tal intensidade que faz seus passageiros sentirem o coração na boca. “Os americanos e russos vibram, mas os japoneses e chineses costumam passar mal”, compara Rahin.

A atividade que virou o ganha-pão do iraniano tem origem na irreverência dos filhos dos xeques, que instituíram os “pegas” no deserto. Quando seus pais começaram a diversificar os investimentos – afinal, as reservas de petróleo nos Emirados dão apenas para mais 50 anos –, a brincadeira juvenil se transformou em atrativo para os visitantes. Durante o pôr-do-sol fileiras de picapes estalando de novas podem ser vistas pelo deserto.

Enquanto ainda há fartura de petrodólares, os Emirados não se acanham em ostentá-los, até mesmo como estratégia para atrair mais recursos. O maior símbolo dessa ostentação é o hotel Burj Al Arab, um investimento de US$ 6,5 bilhões no qual tudo é superlativo. Para começar, a torre árabe foi construída sobre uma ilha artificial, a 280 metros da praia, para ser o hotel mais alto do mundo. Com 321 metros, ganha em altura da Torre Eiffel, em Paris, um metro mais baixa.

Visto de fora, o Burj Al Arab é um monumento à modernidade em forma de vela de barco. Visto por dentro, o Burj Al Arab é uma apologia ao excesso, com átrio de 180 metros de altura, quase todo folheado a ouro. O preço de uma noitada em suas suítes gira em torno dos US$ 900, mas pode chegar até a US$ 18 mil. Não é à toa que a maior parte de seus hóspedes vêm dos países vizinhos do Golfo Pérsico, todos com padrão de vida de fazer inveja ao Ocidente.

Corão – Ao contrário de outros países muçulmanos, nos Emirados Árabes e em Omã as mulheres podem dirigir e, com a permissão de suas famílias, andar com o rosto descoberto. A preços exorbitantes, o consumo de bebidas alcoólicas é liberado nos hotéis. Isso não significa que o Corão – o livro sagrado do islamismo – esteja em baixa. O castigo para o roubo continua sendo perder uma das mãos. O poder é dinástico e centralizado. Nenhum dos dois países tem partidos políticos. Nos Emirados também não há Legislativo. O xeque Zayed bin Sultan Annahyan é o chefe de Estado desde 1971, quando o país foi criado. Já o chefe de governo, o xeque Maktoum bin Rashid al Maktoum, está no posto desde 1990, quando seu pai morreu.

No sultanato de Omã o poder está nas mãos da dinastia Al bin Said desde 1749. Embora governe com mão de ferro, o sultão Qaboos bin Said, que depôs seu pai em 1970, nomeou um Conselho Consultivo com 82 membros e criou um estatuto básico do Estado. Qaboos continua sendo o chefe de Estado e de Governo, o ministro da Defesa e dono da palavra final para qualquer assunto no sultanato. Em compensação, ele abriu Omã para o resto do mundo, em particular depois que autorizou o uso de seu território como base de apoio à coalizão antiiraquiana, durante a Guerra do Golfo. Este ano, o sultanato, que tem 2,5 milhões de habitantes, já recebeu mais de 100 mil visitantes. Omã prima pela preservação das tradições, sendo famoso por seus “souks”, os tradicionais mercados que oferecem de especiarias a jóias em prata e ouro. “Esse é um destino que costuma ser escolhido por pessoas que já viajaram muito e procuram algo diferente”, diz Martin Jensen, da Queensberry, a única operadora sediada no Brasil que organiza roteiros exclusivos para os Emirados Árabes e Omã. Uma viagem de oito dias custa no mínimo US$ 6 mil, mas, com tanto luxo à disposição, o teto depende da imaginação e, principalmente, do bolso do freguês.