Trinta e seis dias depois de terem colocado seus votos nas urnas, os americanos finalmente conheceram o seu 43º presidente. Ele é o republicano governador do Texas, George Walker Bush, 54 anos, que receberá, em janeiro próximo, um país dividido salomonicamente entre aqueles que apóiam sua plataforma conservadora e os que preferem a política mais liberal dos democratas. Essa cisão envolve desde o cidadão médio, passando pelo Congresso, até a Suprema Corte do país. E foram os juízes conservadores que, numa decisão histórica, puseram fim à longa novela legal envolvendo os resultados eleitorais. Na segunda-feira 11, cinco dos nove magistrados – provocando arranhões em sua aura de imparcialidade – deram ganho de causa ao republicano. Em seu discurso de vitória, o presidente eleito usou o exemplo do terceiro presidente dos EUA, Thomas Jefferson, que há 200 anos recebera uma nação igualmente dividida, depois de uma disputa eleitoral em que foi necessária a intervenção do Congresso, que precisou de 36 votações em seis dias de sessões para resolver a questão. Como Jefferson, Bush pediu unidade e prometeu bipartidarismo em seu governo. Mas Bush não é Jefferson, e a guerra ideológica ameaça paralisar sua presidência.

Ao conceder sua derrota, o candidato democrata Al Gore Jr. disse respeitar a decisão da Suprema Corte, da qual discorda, mas deu a entender que não reconhece a derrota das urnas, às quais venceu no voto popular, e acredita ter conseguido maioria, inclusive na Flórida. Seus correligionários têm a mesma convicção e acham que foram roubados por meio de manobras republicanas para que não se contassem manualmente os votos da Flórida. “A Suprema Corte fez uma decisão política, em vez de legal. A presidência de Bush carece de legitimidade”, disse a ISTOÉ o deputado democrata Charles Rangel.

O 43º presidente americano contará com a maioria de seu partido no Congresso, mas essa vantagem pode se mostrar ilusória. No Senado, a Casa está dividida com 50 assentos para cada partido; na Câmara a diferença é maior, mas ainda apertada. Para complicar ainda mais essa equação, a ala republicana mais conservadora está no comando do Legislativo e já anunciou que não pretende seguir a receita bipartidária prometida. Para se ter uma idéia do que isso significa, pegue-se um exemplo que interessa particularmente aos brasileiros: o acordo de livre comércio entre os países das Américas, a Alca. “Para aprovar o Nafta (o acordo de livre comércio da América do Norte), o presidente Bill Clinton contou com o apoio republicano e teve de torcer braços em seu próprio partido. Agora, a situação se complica no caso da Alca. Os democratas esperam recuperar a maioria no Congresso nas eleições em 2002 e para isso vão precisar muito dos votos dos grandes sindicatos de trabalhadores, que se opõem vigorosamente a este acordo. Dick Gephard (o líder democrata na Câmara) já havia votado contra o Nafta e agora vai fazer de tudo para descarrilar o trem da Alca”, explica Rangel. “Para passar qualquer lei, o presidente precisa de 60% dos votos no Congresso. Sem essa maioria, seus oponentes conseguem emperrar a votação eternamente”, diz Rangel. Nem Thomas Jefferson teve de enfrentar tamanha provação.