Cafael Pegden e Leandro Nascimento se conheceram durante o recreio. Não fosse o fato de estudarem na mesma escola, o Instituto Educacional Stella Maris, na zona sul do Rio, os dois jamais brincariam juntos. Além de morarem em bairros vizinhos, uma enorme distância social os separa. Rafael vive num condomínio de luxo no Itanhangá e Leandro num casebre no Morro do Vidigal. Amigos inseparáveis, eles construíram uma ponte imaginária entre a favela e o asfalto, unindo o mundo dos pobres ao dos ricos. A convivência só se tornou possível porque o colégio, que durante 70 anos atendeu somente os bem-nascidos, há um ano abriu as portas para a comunidade do Vidigal. “Fizemos uma opção pelos mais necessitados”, diz a diretora, Irmã Angélica. Ela acredita que a decisão mudará o rumo das crianças do morro. “Queremos oferecer a elas a mesma educação que damos aos filhos da classe média.”
Alguns pais de classe média aprovaram a guinada do colégio. “Não me sinto nem um pouco ameaçada. É uma experiência enriquecedora descobrir que há pessoas interessantes em todas as esferas sociais”, afirma a museóloga Cristina Mendes, mãe de Rafael Pegden. Seu filho lê muito, gosta de música clássica e viaja ao Exterior com frequência. Na teoria, todos aplaudem a decisão do Stella Maris. Na prática, nem tudo são flores. A mudança levou 80% dos pais de classe média a retirarem seus filhos do colégio. Este ano, dos 521 alunos matriculados, 215 vieram da comunidade. Estudam com bolsa e não pagam a mensalidade, de R$ 400. Para viabilizar o projeto de transformar a escola num centro popular de educação, as religiosas procuram parcerias com a iniciativa privada. A decisão do Stella Maris está longe de ser uma prática disseminada no circuito escolar de elite do Rio, mas os alunos da Escola Americana, situados no topo entre os bem-nascidos, também estão arregaçando as mangas. O colégio incluiu no currículo a matéria “Trabalho Comunitário”. E, para garantir a seriedade do projeto, quem não cumpre a carga horária não recebe diploma.

Rafael vive num condomínio em Itanhangá, e Leandro no Vidigal: união de dois mundos

Famosos – Sobrenomes ilustres têm subido o morro. É o caso de Mariana Fraga, 14 anos, filha do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que dá aulas de inglês. “Acho importantíssimo para a educação dos jovens não somente partilhar, mas participar de realidades diferentes da sua”, analisa Lucyna, mãe de Mariana.

Rotina parecida tem a Escola Alemã Corcovado, um colégio bilíngue de classe média alta próximo do Morro Dona Marta, em Botafogo, zona sul. Uma vez por mês, uma garotada bronzeada e com roupas de grife passa uma tarde na creche Mundo Infantil. O contraste é gritante. A mesada que recebem em casa chega a superar a renda familiar de alunos da creche. “Antes de subir o Dona Marta, eu pensava que aqui só tinha bandido”, admite Luana Coulomb, 14 anos. Depois de um ano, ela e seus colegas descobriram uma outra realidade. “Hoje todos reclamam que está ruim, mas ninguém faz nada”, completa Lucas Leuzinger, da mesma idade. “Este corpo a corpo é fundamental para a formação dos nossos alunos”, avalia Vera Pellegrino Bechelli, coordenadora do Programa Ação Social da escola. A integração nem sempre é tranquila. Acostumadas com a cultura do tráfico, as crianças da favela às vezes reproduzem o comportamento dos adultos. Já houve situações que o professor descobriu que tinha sido roubado na própria sala de aula.

O Centro Educacional Anísio Teixeira (Ceat), em Santa Teresa, bairro rodeado de favelas por todos os lados, desenvolve um projeto social no Morro dos Prazeres. “O que nos move é a responsabilidade social”, justifica o coordenador José Luiz Santos. Os alunos da segunda série do ensino médio dão aulas no projeto Reforço à Escrita. Duas vezes por semana, crianças de sete a nove anos passam duas horas e meia no Ceat. Os alunos do terceiro ano são professores do vestibular para adultos. Professores e alunos do Ceat inauguraram também uma biblioteca no Morro dos Prazeres.

Curso gratuito – Logo depois da tragédia do ônibus 174 – quando o ex-menino de rua de nome Sandro Nascimento transformou os passageiros do ônibus em reféns por quatro horas –, os alunos da Escola Parque, na Gávea, despertaram para a necessidade de desenvolver projetos sociais. Abriram, então, um curso de vestibular para as favelas vizinhas: Rocinha, Vidigal e Comunidade do Parque da Cidade. “Acho que a única forma de acabar com a violência
é dar acesso à educação”, avalia Daniel Elia, 17 anos, aluno da Escola Parque e professor de física do curso gratuito de vestibular. Uma de suas alunas é a empregada doméstica Liduína Gomes da Silva, 43 anos, que ficou 17 sem estudar. Liduína quer tentar o vestibular para artes cênicas. A distância entre os mundos de
Daniel e de Liduína é abissal, mas o elo que construíram poderá servir de exemplo para que sejam criadas outras iniciativas igualmente belas.