Mário Covas nunca foi lá muito acomodado. O sangue quente do Espanhol, como é chamado pelos íntimos, sempre acompanhou o folclore político do governador de São Paulo. Mas, depois de 16 dias de internação no Instituto do Coração (Incor) e uma nova e delicada operação para a retirada de dois tumores malignos, resolveu perder de vez a sutileza. Nunca se viu tanta disposição para o trabalho no Palácio dos Bandeirantes como nesta última semana. Dos seguranças do prédio aos secretários do governo, todos estão entrando no ritmo acelerado imposto pelo governador. A doença e, principalmente, a postura de Covas em relação às suas perspectivas de recuperação refletiram na sua imagem junto à população, que triplicou os índices de aprovação de seu governo num intervalo de quase quatro meses (leia quadro). Outro efeito dos dias no hospital é que a invejável força para lutar contra o câncer reforçou sua autoridade política dentro do PSDB. Embora ele tenha anunciado que encerra a carreira política no final de seu mandato e, na quarta-feira 6, declarado apoio à candidatura do governador do Ceará, Tasso Jereissati, para a Presidência, seus correligionários ainda não descartaram a possibilidade de vê-lo na disputa de 2002.

“Se ele não quiser, quem tiver seu apoio estará mais do que garantido na sucessão nacional ou estadual”, disse o secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo, José Aníbal. “Hoje ele é a maior liderança do PSDB, mais do que o presidente. A garra do governador contra a doença confirma isso.” Aníbal acredita que as recentes demonstrações de coragem de Covas fizeram com que a população passasse a enxergar com mais generosidade suas ações no governo. “O episódio revelou que atrás da figura pública havia um ser humano que poucos conheciam”, afirma o deputado estadual Walter Feldman, líder do PSDB.

Durante o tempo em que esteve internado, o governador não parou de trabalhar. Além disso, deu um show na administração de sua imagem pública. Pediu apoio, declarou-se amedrontado, chorou na frente das câmeras. Não escondeu nada sobre seu estado de saúde. O cardiologista Whady Hueb, da equipe que cuidou do tucano, conta que o próprio Covas deu o tom da relação dos médicos com a imprensa. “Ele pediu que falássemos abertamente sobre seu estado de saúde para evitar boataria”, conta.

Não perdeu o pique quando saiu do Incor. Nos primeiros dias depois da alta, teve cinco reuniões, cobrou a lição de casa do secretariado, adiantou o pagamento do 13º salário dos servidores e deu uma bronca sonora no diretor da Febem de Franco da Rocha, Francisco Antônio Teodoro, que pediu dez dias para apresentar um relatório sobre a fuga de um menor. “Quero em 24 horas na minha mesa”, bradou. Na quinta-feira, Teodoro foi demitido. Visivelmente, Covas quer mais agilidade nas decisões. “Assim que ele voltou ao Palácio, fui visitá-lo na área residencial, mas ele já estava no gabinete”, disse o vice-governador Geraldo Alckmin. “Enquanto ele estiver se recuperando, só farei as viagens no seu lugar. O resto continua igual.”

Determinado – Igual entre aspas. Os assessores que o cercam são enfáticos em dizer que Covas mudou depois da doença. “Está mais enérgico e impaciente do que já era.” O infectologista David Uip, médico do governador, acrescenta: “Ele é sensível, autêntico e determinado.” Pouco antes de receber alta, o tucano respondeu às recomendações de trabalhar de forma mais comedida com um desabafo: “O que faz mal à saúde não é trabalhar, é guardar raiva. Vou falar tudo o que penso”, arrematou. Segundo a psicóloga Esther Affini, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a mudança de conduta é comum depois de situações traumáticas. “A pessoa não adia mais assuntos importantes, fica mais funcional e assertiva”, explica. Normalmente, essas mudanças não têm volta.

Seus médicos estão avaliando o que há de mais avançado para prevenir o reaparecimento do tumor. O oncologista Ricardo Brentani está em Nova York, onde se reúne com médicos do Memorial Hospital Sloan Kettering Cancer Center, um centro de excelência em pesquisa e terapias para combater o câncer. Quando Brentani voltar, a equipe irá conversar com Covas e sua família para definir o tratamento. Até lá, o governador poderá se divertir tirando o atraso na administração.

Uma luta de 13 anos
Helvio Romero/AE

1987 – Depois do segundo infarto, Covas recebe duas pontes de safena e uma mamária no coração
1993 – Faz cirurgia de extração da vesícula biliar no Instituto do Coração
1994 – É internado com infecção bacteriana de pele (erisipela) no local de onde foi extraída a veia safena para implantar no coração. No ano seguinte, o problema volta.
1998 – Em maio, tem infecção por herpes-zoster, que se manifesta em caso de estresse e baixa imunidade.
Em dezembro, retira um tumor benigno da próstata. É descoberto um tumor maligno infiltrativo (penetra no músculo do órgão) na parede da bexiga. Dia 14, extrai a bexiga (reconstruída com tecidos do intestino), a próstata, os gânglios linfáticos (do sistema de defesa) e as vesículas seminais.
1999 – Em abril, faz quimioterapia para eliminar possíveis células cancerígenas. O prognóstico é de 45% de chances do tumor retornar em cinco anos.
2000 – Em outubro, retira um pólipo do intestino grosso e corrige fissura no reto. Dia 30, faz cirurgia para restaurar o fluxo sanguíneo da coronária esquerda.
Dia 21 de novembro, remove um tumor maligno de dois centímetros, entre a neobexiga e o reto. O tumor é recidivo, invasivo e de grau 3. Extirpa também um nódulo do intestino delgado.