As imagens da superfície marciana captadas pela sonda espacial Mars Global Surveyor (MGS) e divulgadas na semana passada pela Nasa, a agência espacial dos EUA, se parecem muito com fotos aéreas de locais da Terra que já foram totalmente alagados no passado, como as esculturas rochosas do Grand Canyon. As cenas registradas são o maior indício encontrado até hoje de que um dia o planeta vermelho já abrigou água em estado líquido em sua superfície, requisito fundamental para a existência de vida.

O clima de Marte hoje não é nada amigável. Sua fina atmosfera é composta basicamente de dióxido de carbono (CO2). A baixa pressão atmosférica não permite a existência de água em estado líquido – ela só é encontrada nas calotas polares, como blocos de gelo a temperaturas próximas a 120o C negativos, ou na forma de vapor. As fotografias das camadas rochosas sugerem que a superfície marciana era ocupada por lagos e mares rasos e seu clima deveria ser mais ameno há cerca de 3,5 bilhões a 4,3 bilhões de anos. “Marte deve ter sido mais parecido com a Terra do que nós pensávamos”, explicaram os especialistas americanos Michael Malin e Kenneth Edgett, que analisaram as fotos em estudo publicado na revista científica Science da semana passada.

As camadas de sedimentos de rocha já haviam sido observadas por sondas anteriores, mas nunca com o nível de detalhe alcançado pela MGS. Nessas rochas, típicas de regiões inundadas no passado, os cientistas pretendem procurar fósseis de qualquer tipo de vida que possa ter existido em Marte. A solução desse mistério só deve surgir por volta de 2020, quando a primeira missão tripulada desembarcar no planeta vermelho.

O planejamento que antecede essa jornada não depende só de sondas milionárias que focam sua ação em ocorrências específicas, como o recente achado. Há fenômenos que se repetem durante anos e só são entendidos se observados constantemente, por um longo período. Dois bons exemplos são o deslocamento de nuvens na atmosfera marciana e o derretimento das calotas polares. É aí que entra o fundamental trabalho exercido por uma verdadeira força-tarefa de astrônomos profissionais e amadores.

“Só os profissionais não dão conta de observar todos os fenômenos do universo”, diz o decano Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, pesquisador titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro. A Nasa percebeu isso e estabeleceu por meio da internet uma estreita relação com esse verdadeiro exército, cuja dimensão é difícil de se estimar. Há mais de 20 anos, boa parte do estudo do clima marciano está sob a responsabilidade dos astrônomos amadores. É um dado que não se colhe da noite para o dia com uma sonda espacial. São necessários anos e anos de trabalho contínuo e sistemático. Não fosse por isso, algum astronauta correria o risco de pousar no meio de uma tempestade de poeira, a pelo menos 50 milhões de quilômetros da Terra e do hospital mais próximo.

De dois em dois anos, o planeta vermelho fica mais perto da Terra – a próxima ocorrência do fenômeno será em junho de 2001. Nessa época, é comum reconhecer os observadores de Marte pelas olheiras. O médico homeopata paulista Nelson Falsarella, 42 anos, acompanha Marte há 14 anos e passa noites inteiras grudado em seu telescópio quando o planeta está mais próximo da Terra. Como ele, milhares de amadores espalhados pelo mundo garantem uma observação ininterrupta do solo marciano. Quando é dia no Brasil, do outro lado do mundo há algum australiano ou japonês monitorando o planeta vizinho. Os dados captados são enviados pela internet para a Patrulha Internacional de Marte (IMP), entidade que reúne dados de amadores do mundo todo e, desde 1995, os repassa periodicamente para a Nasa. “A astronomia é uma das poucas áreas em que o trabalho de amadores é de grande importância”, diz Falsarella.

O médico coordena a observação marciana na Rede de Astronomia Observacional (REA – nome de um dos satélites de Saturno), organização que reúne a nata dos astrônomos amadores brasileiros. Os cerca de 80 associados seguem técnicas e padrões internacionais de observação – um dos requisitos básicos para ser aceito no grupo – e se comunicam por e-mail com agências espaciais de vários países. Durante o dia, trocam os telescópios e os mapas astronômicos por estetoscópios, processos judiciais e reuniões de diretoria.

“Nosso objetivo é gerar dados para pesquisas científicas”, diz o engenheiro químico Tasso Napoleão, um dos fundadores do grupo. Não é só Marte que atrai os membros da entidade, que desde sua fundação, em 1988, observou mais de 67 mil fenômenos celestes, entre eles eclipses, asteróides, cometas, planetas e estrelas. As especialidades dos membros da REA são as mais variadas. O fotógrafo mineiro Carlos Magno, por exemplo, é craque na construção de telescópios. “Sempre fabriquei os aparelhos que utilizo”, diz Magno, que desenvolveu câmeras para ser adaptadas diretamente aos telescópios.

Não é difícil fazer parte da legião de astrônomos amadores. “O iniciante deve começar com um binóculo para se familiarizar com o céu”, diz Tasso Napoleão, e só depois comprar um telescópio. Nem todos são como o engenheiro Mauro Paglione, 38 anos, que observa o universo com um telescópio automático DS-90, da americana Meade, importado pela Omnis Lux (www.omnislux.com.br). O instrumento, que custa entre R$ 900 e R$ 2.000, possui dois motores e um pequeno computador instalado em sua base. A partir de um menu de opções, o usuário escolhe quais planetas, constelações, nebulosas ou estrelas quer observar e pronto: a lente aponta para lá. “Esse telescópio é como um professor de astronomia”, diz Paglione.

Outra dica importante é dar atenção ao tamanho da lente – quanto maior o diâmetro, melhor a definição da imagem. Não espere, porém, ver imagens coloridas em um telescópio, pois o olho humano não tem esse poder. Cores só estão presentes em fotografias ou nas belas e intrigantes imagens como as capturadas pela Mars Global Surveyor.

Brilho de aluguel
AP
A estação espacial só perde para a Lua e Vênus

De uma extremidade a outra, a Estação Espacial Internacional mede 108,5 metros. É o equivalente a um terço da altura da Torre Eiffel, o símbolo da cidade-luz Paris. Ainda assim, quando estiver pronta, em 2006, ela será o terceiro objeto mais luminoso no céu. Se os painéis para captação de energia solar montados na semana passada funcionarem a contento, seu brilho só perderá em intensidade para a Lua e para o planeta Vênus. As lâminas de 73 metros de extensão, 12 metros de largura e custo estimado em US$ 600 milhões vão gerar quatro vezes mais energia do que a estação espacial produz hoje. Será o bastante para abastecer os seis laboratórios de pesquisa construídos numa área similar à cabine de passageiros de um jumbo 747.

Fruto de uma parceria tecnológica e científica que envolveu 16 países, entre eles o Brasil, a estação foi montada aos pedaços, como num intrincado quebra-cabeça. As mais de 100 peças lançadas ao espaço em diversas viagens são montadas por robôs teleguiados e pela equipe de sete astronautas que se revezam no espaço, onde ninguém permanece por mais de seis meses seguidos. Visível no amanhecer e no crepúsculo, quando os painéis refletem a luz do sol, a estação chamada de ISS, na sigla em inglês, será controlada por meia centena de computadores ligados a mais de dois mil sensores. Para descobrir as coordenadas exatas da estação no céu, basta entrar em https://www.heavens-above.com/countries.asp ou no endereço oficial da estação, https://spaceflight.nasa.gov/realdata/sightings, procurar o nome da cidade e depois ficar de papo para o ar.

Darlene Menconi