O diabo está nos detalhes, costumava dizer o ministro da Fazenda do Governo FHC, Pedro Malan, durante a difícil fase de construção da moeda brasileira, o real. Já se passaram 21 anos desde que os brasileiros se convenceram de que o real era para valer e colocaram a hiperinflação e o caos na economia para dormir nos livros de história, mas o demo continua lá, nos detalhes, a infernizar o País. Os três principais pilares do real em sua maioridade – câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e sistemas de metas de inflação – foram lentamente corroídos nos últimos cinco anos pelo Governo Dilma. A petista e seus auxiliares diretos na Fazenda, no Planejamento e no Banco Central cederam a tentações perigosas: manipularam o câmbio para disfarçar a inflação, deram pedaladas fiscais para fechar contas desequilibradas e afrouxaram o controle monetário. Brincaram com fogo e, com isso, destruíram a competitividade da indústria, queimaram a confiança dos empresários e investidores na responsabilidade fiscal e – o mal de todos os males – despertaram o dragão da inflação, cujo bafo ameaça passar de 10% ao ano e corrói o poder de compra dos brasileiros. Ah, os detalhes.

De nada adianta um discurso ufanista se os pecados cotidianos da política econômica enterram a credibilidade do País e o pessimismo predomina – a economia, no céu ou no inferno, nada mais é do que reflexo das expectativas das pessoas. Como numa partida de futebol contra a Alemanha, o sonho de um Brasil mais justo, com uma classe média predominante e pujante, começa a virar cinzas sob a forma de demissões de trabalhadores, projetos de investimento engavetados e uma moeda enfraquecida. Há cheiro de enxofre no ar.

Enquanto arde nas chamas do debate político sobre o impeachment, a presidente Dilma Rousseff promete “fazer o diabo” para enfrentar a recessão da economia.

E o que isso significa, além de virar caixeiro viajante e vender o Brasil para compradores incrédulos aqui e no exterior? Por mais que brade o tamanho da economia brasileira (a sétima maior do mundo), as reservas internacionais abundantes (US$ 370 bilhões), um mercado consumidor respeitável (quem mais oferece 200 milhões de clientes?), um setor produtivo diversificado (dominamos da soja aos aviões da Embraer) e um sistema financeiro sólido (nossos bancos são à prova de crises e continuam lucrando como sempre), Dilma não vai conseguir readquirir credibilidade no grito. O diabo também é sedutor quando quer conquistar mais uma alma desesperada e isso, depois das crises globais de 1997 em diante, empresários e investidores sabem de cor. Não existe caminho fácil e indolor na reconstrução de uma economia fragilizada.

Para resgatar a confiança perdida, a presidente precisa demonstrar mais seriedade em suas políticas públicas e reforçar os pilares do Plano Real. Pacotes que minimizam o impacto das demissões, como o anunciado na semana passada, com redução de salários e da carga horária dos trabalhadores, não bastam para livrar a economia do fogo eterno da recessão. O governo precisa tirar obstáculos homéricos do caminho do setor produtivo, como a carga tributária excessiva e complexa, a lentidão da burocracia, a corrupção e a incompetência de tantos setores do serviço público. Dilma precisa dialogar mais (isso inclui ouvir de verdade o interlocutor) e rugir menos. Quem sabe, assim, poderá sobreviver à fogueira das vaidades na qual se meteu.