Quando o deposto rei Faruk do Egito partiu para o exílio em 1952, profetizou que um dia só restariam cinco reis no mundo: o da Inglaterra e os de paus, copas, ouros e espadas. Quase meio século depois, os Windsor já não podem ter a certeza de que serão os últimos monarcas de carne e osso a habitar o planeta. Um dos principais jornais britânicos, The Guardian, está fazendo uma estridente campanha por um plebiscito pela proclamação da República, que conta com a discreta simpatia da sóbria e respeitada The Economist. No mais recente lance desta campanha, o advogado Geoffrey Robertson alegou que a lei de 1701 que reserva o acesso ao trono aos herdeiros protestantes de Jaime I viola a Convenção Européia dos direitos humanos, que garante a liberdade de religião.

Os britânicos nem sempre foram tradicionalistas. Em 1649, tornaram-se o primeiro povo da Idade Moderna a proclamar uma República e decapitar seu soberano, Charles I. Quando essa primeira experiência não deu certo, não se limitaram a voltar para trás: estabeleceram a primeira monarquia constitucional da história, deram a partida à Revolução Industrial e impuseram ao mundo a criação do mercado global, impedindo a Espanha de retomar o controle das colônias rebeladas da América Latina, obrigando a China a abrir seus portos para o ópio britânico e conquistando a maior parte do resto da Ásia e da África. Os britânicos eram vistos como um povo moderno e prático.

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Foi com a decadência que veio o apego às relíquias do passado. Quando novas potências começaram a desafiar a hegemonia da Inglaterra vitoriana, as instituições monárquicas começaram a deixar de ser um arranjo pragmático para se tornar símbolo do caráter nacional e espetáculo popular. Sob Elizabeth II, justamente no momento em que o Império Britânico desmoronava para sempre, o cerimonial da realeza atingiu o auge de seu fausto e a vida da família real tornou-se uma novela diariamente acompanhada pela BBC. Foi como se, para evitar encarar o fim irremediável de sua história de superpotência mundial, os britânicos fugissem para um mundo de fantasia onde a velha Inglaterra continuaria a dominar o mundo para sempre.

Nem novelas, porém, podem durar para sempre. Os cansativos escândalos da família real já começavam a dar nos nervos do público quando pareceu que a chegada de uma nova atriz talhada para o papel de princesa de conto de fadas ia dar um último alento ao velho folhetim. Mas seu parceiro acabou confessando que preferia ser o Tampax da amante, Camilla, príncipe encantado de Diana. Que respondeu à altura, dando as costas para a aristocracia britânica e noivando com um egípcio. Que, se não fosse um estranho acidente, seria hoje o padrasto muçulmano do príncipe William. Tudo isso enquanto os britânicos suportavam o desmantelamento do Estado de bem-estar social e eram convencidos da necessidade de mais pragmatismo e austeridade fiscal.

Segundo pesquisa de opinião Guardian/ICM de junho passado, apesar de apenas 30% dos britânicos serem ativamente republicanos, somente 44% (contra 70% dez anos atrás) acreditam que o Reino Unido estaria pior sem a família real. Entre os que têm menos de 25 anos, apenas 24% ainda a julgam útil, ao passo que 40% acreditam que estariam melhor sem ela. O restante é indiferente. Cada vez mais britânicos rejeitam a idéia de sustentar no trono um segundo rei Charles. Mesmo que ainda não se disponham a cortar cabeças.

Em resumo, os atores se cansaram de seus papéis, o ibope caiu e a produção reclama do custo. No ano passado, o governo de Tony Blair já fez um espetacular corte no elenco, aposentando as cadeiras de 750 lordes hereditários que há 700 anos garantiam o sagrado direito da aristocracia de meter o bedelho nos assuntos públicos. Charles e Elizabeth que se cuidem: depois que ajudaram Margareth Thatcher a implantar esta era de neoliberalismo e flexibilização trabalhista, tornou-se perfeitamente lógico que nem uma rainha possa mais se considerar segura de seu emprego.