Líder mais poderosa da Europa, a chanceler Angela Merkel era uma criança da Alemanha Oriental quando foram lançadas as bases do que seria a União Europeia. A solidariedade, então, parecia um valor irrevogável na origem de um bloco criado para manter a paz e estimular a recuperação econômica entre os países de um continente que, no século passado, foi arrasado por duas guerras mundiais. Agora, mais de cinquenta anos depois, diante da encruzilhada a que a crise na Grécia chegou, Merkel se vê pressionada a testar até onde vai essa solidariedade. No domingo 5, os gregos deram um voto de confiança ao primeiro-ministro, Alexis Tsipras, e escolheram não aceitar o último acordo proposto pelos credores, sinônimo de mais austeridade. Quatro dias depois, veio a contraproposta: os gregos pedem um novo resgate, de três anos, e prometem reformar a Previdência e aumentar os impostos.

INTER-ABRE-IE.jpg

Há dez anos ocupando o poder na Alemanha, Merkel tem, nesta semana, o poder de determinar o futuro da Europa e saber se entrará para a história como a líder que se curvou a uma nação de pouco mais de 11 milhões de habitantes para conservar a zona do euro unida, ou se foi a responsável pelo início da fragmentação do bloco, deixando à deriva a população de um de seus parceiros. Durante toda a negociação, a chanceler insistiu que tão importante quanto preservar a inviolabilidade do euro era a responsabilidade com os compromissos assumidos. “Merkel adotou uma postura dura desde o início das conversas com a Grécia e estabeleceu linhas vermelhas que ela não queria ultrapassar, sobretudo em relação a um corte da dívida”, disse à ISTOÉ Grégory Claeys, analista da consultoria Bruegel, de Bruxelas. A razão por trás disso estaria na base de apoio que a sustenta no Bundestag, o parlamento alemão, cada vez mais inclinado em ver a saída da Grécia da zona do euro como a melhor solução.

Os alemães, afinal, estão entre os principais credores de Atenas, que se afundou numa crise financeira deflagrada pela corrupção e evasão fiscal de governos anteriores. A dívida com eles chega a 56 bilhões de euros. “Ela entende que isso seria um erro histórico e que mancharia seu legado, mas ela não quer contrariar seu partido”, diz o analista. Para Claeys, essa aversão ao risco faz de Merkel mais uma política do que uma verdadeira estadista. Segundo Andreas Antoniades, professor de Relações Internacionais da Universidade de Sussex, na Inglaterra, houve uma mudança na forma como a integração europeia tem sido discutida pela Alemanha nos últimos cinco anos. “As aspirações sobre uma ‘união política’ e um processo de integração contínuo deram espaço para um discurso introvertido focado nos contribuintes e na irresponsabilidade dos países do Sul”, disse Antoniades à ISTOÉ. “O projeto europeu parece ter perdido legitimidade entre os próprios europeus.”

01.jpg
NÃO À AUSTERIDADE
Depois do resultado do plebiscito no domingo 5,
os gregos foram às ruas de Atenas comemorar

Contra isso, Thomas Piketty, Jeffrey Sachs e outros três economistas assinaram uma carta aberta criticando a austeridade imposta pela Alemanha e lembraram que o país já teve sua dívida perdoada no passado. “Suas ações dessa semana entrarão para os livros de história”, escreveram. Em 1953, um acordo pós-guerra garantiu o corte de quase metade da dívida alemã, a reestruturação dos prazos de pagamento e a cobrança de juros baixos – termos muito parecidos com as demandas atuais dos gregos. A Grécia, aliás, estava entre os 21 países que concordaram em ajudar Berlim, mas o mundo era outro. A começar pela polarização entre Estados Unidos e União Soviética, que alimentava o interesse na estabilização da Alemanha Ocidental. Além disso, a Alemanha sempre foi mais relevante econômica e geopoliticamente do que a Grécia, cujo PIB corresponde a apenas 2% da zona do euro. Embora a Rússia tenha hoje pouca margem de manobra para atrair os gregos para sua zona de influência, já que sua própria economia sofre com a recessão provocada pela desvalorização do petróleo e as sanções impostas pela União Europeia e os EUA, seria estratégico para o presidente Vladimir Putin afastar a Grécia da União Europeia e fortalecer um aliado dentro da Otan, aliança militar ocidental. Para desgosto de Merkel, Putin e Tsipras já são notoriamente bem próximos.

IE2380pag60e61_Inter-2.jpg

Fotos: Michael Sohn/AP Photo; IAKOVOS HATZISTAVROU/FP PHOTO