Com as costas curvadas sobre a mesa azul, pernas afastadas uma da outra, raquete na mão direita e olhos puxados fixos na bolinha, a mesatenista Gui Lin saca, aplicando o efeito típico dos jogadores profissionais. Uma rápida troca de passes se segue, sempre com muito movimento de ambos os lados. A cena se repete dezenas de vezes ao longo de poucos minutos. Ao fim de cada jogada, se a pontuação lhe é favorável, Gui Lin fecha o punho esquerdo e o ergue ligeiramente, às vezes vocalizando uma discreta expressão de júbilo que soa como “Hou!”, embora seja difícil imaginar como ela mesma a soletraria. Nascida em 1993 em Nanquim, na China, a jovem esportista, hoje oficialmente brasileira, representa um País cada vez mais multicultural que busca, nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, no Canadá, confirmar a aposta na naturalização de atletas estrangeiros como estratégia para reforçar um time que tem obrigação de fazer bonito na Olimpíada em casa, no Rio de Janeiro, em 2016.

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Gui Lin pode ser considerada uma veterana entre a legião estrangeira do time brasileiro. Chegou ao País aos 12 anos de idade, obteve a naturalização pouco antes da Olimpíada de Londres-2012 e participou dos Jogos na capital britânica já representando o Time Brasil. Ao lado do americano Larry Taylor, do basquete, foi a única atleta “de fora” na delegação olímpica. Hoje, a realidade é diferente. Em Toronto, 16 esportistas naturalizados já fazem parte da equipe. No Rio de Janeiro, no ano que vem, devem ser pelo menos 22. Os sotaques variam. Espanhol, inglês, italiano, croata, holandês e chinês estão entre os idiomas que se misturam ao português. Os esportes que buscaram uma “mãozinha” de fora também são diversos (confira quadro). Em comum, com a exceção do basquete, está o fato de possuírem pouca tradição no Brasil. “Essa é uma tendência mundial”, disse à ISTOÉ o superintendente executivo de esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Marcus Vinicius Freire, enquanto torcia na partida de estreia da equipe masculina de polo aquático contra o Canadá, time da casa, em Toronto. “Na Olimpíada, as vagas são limitadas, não tem espaço para todo mundo, e muito atleta bom acaba buscando oportunidade em outros países.”

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O COB garante que não incentiva oficialmente a naturalização de atletas. Segundo o comitê, a definição estratégica cabe às confederações responsáveis por cada esporte. No entanto, uma vez que a decisão tenha sido tomada, a entidade máxima do esporte olímpico brasileiro fornece suporte jurídico, com a participação de uma assessoria especializada que ajuda a lidar com os trâmites burocráticos de todo o processo. No caso do polo aquático brasileiro, que no Pan tem quatro naturalizados e um “resgatado” – Felipe Perrone, nascido no Rio, naturalizou-se espanhol na década passada e, agora, joga novamente pelo Brasil –, os “gringos” já fazem a diferença. Em junho, com a ajuda deles, a seleção subiu pela primeira vez ao pódio da Liga Mundial. A Lei do Imigrante determina que, para se naturalizar, o estrangeiro precisa comprovar quatro anos de residência no Brasil, prazo que pode cair para um ano se o Ministério da Justiça entender que o candidato tem “serviços relevantes” a prestar ao País. Foi o que aconteceu com o croata Josip Vrlic, que está no Pan, e o sérvio Slobodan Soro – este último, ainda não liberado pela Federação Internacional de Natação (Fina) para disputar competições internacionais pelo Brasil.

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A naturalização de atletas está longe de ser exclusividade brasileira. Em Londres-2012, 11% da delegação britânica era nascida fora do Reino Unido. Das 65 medalhas conquistadas pela equipe da rainha em casa, 24 foram parar no peito de atletas “estrangeiros”, incluindo do fundista Mo Farah, natural na Somália, ganhador do ouro nos 5.000 m e nos 10.000 m. Resultados como esses, no entanto, não aparecem com a simples importação de jogadores. No caso do Brasil, os estrangeiros também tomaram postos-chave em algumas comissões técnicas. O dinamarquês Morten Soubak, que desde 2009 treina a seleção brasileira feminina de handebol, levou o time à inédita conquista do mundial em 2013. Com a providencial ajuda vinda de fora, modalidades sem tradição começam a trazer resultados inimagináveis há poucos anos.

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Fotos: PEDRO DIAS/Agência Istoé; Capo Guateli/Agência Istoé; Divulgação