Morto pela ditadura em 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho poderá finalmente ter justiça quase 40 anos depois de seu assassinato. O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou sete agentes do regime acusados de contribuir com o homicídio, entre eles Audir Santos Maciel, ex-chefe do DOI-Codi, órgão de repressão criado durante o período. De acordo com a Promotoria, ele deu as ordens que culminaram na morte de Fiel Filho. Detido um dia antes na fábrica onde trabalhava, o metalúrgico foi torturado e estrangulado. O Exército alegou que o trabalhador se suicidou com as próprias meias em sua cela. Detalhe: colegas afirmam que ele calçava chinelos quando foi levado. Além de Maciel, um tenente, um delegado, dois carcereiros e dois médicos que teriam falsificado o atestado de óbito foram denunciados.

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HISTÓRIA
A versão oficial foi a de que Fiel Filho havia se suicidado.
Na verdade ele morreu após tortura

Fiel Filho era membro do Partido Comunista Brasileiro. Seu assassinato ocorreu meses após a morte do jornalista Vladimir Herzog, sob circunstâncias parecidas. Os eventos deflagraram o processo que levou à redemocratização do País. Na época, o então presidente da República, general Ernesto Geisel, demitiu do Comando do II Exército, responsável pelo DOI-Codi, o general Ednardo D´Avila, um dos representantes da chamada linha-dura, que se opunha à abertura democrática. Um ano depois, demitiu o general Sylvio Frota, líder da ala militar interessada em manter intocado o regime ditatorial. “Geisel nunca foi contra a tortura”, diz a historiadora Dulce Pandolfi, da Fundação Getúlio Vargas. “As demissões aconteceram porque ele considerou uma besteira expor o regime num momento em que havia pressão da sociedade.”

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Não é a primeira vez que se tenta levar à Justiça responsáveis por mortes na ditadura. O Ministério Público argumenta que se tratam de crimes contra a humanidade, portanto imprescritíveis e impassíveis de anistia. Mas o caminho para a punição é tortuoso. O Supremo Tribunal Federal suspendeu recentemente, até julgamento do mérito, uma ação contra acusados pela morte do ex-deputado Rubens Paiva, em 1971. Os defensores dos militares pleiteiam o fim da ação com base na Lei da Anistia. Já o coronel reformado Carlos Alberto Ustra, primeiro militar reconhecido como torturador, será julgado por ocultação de cadáver. “Essas decisões podem mudar nossa cultura, que ainda hoje convive com torturas dentro de delegacias”, afirma Dulce.

Foto: J.F.DIORIO/AE;