Vencer aos 45 minutos do segundo tempo é uma das muitas expressões pinçadas do discurso futebolístico para ilustrar situações rotineiras. Significa atingir o objetivo no último instante, no apagar das luzes. Esta e outras analogias feitas a partir do esporte mostram a disposição natural de boa parte dos brasileiros em relacionar a auto-estima aos resultados positivos de seus atletas. Mas, na temporada de 2000, a confiança nacional sofreu uma sequência inacreditável de derrotas. Por pouco, não foi parar na segunda divisão. A onda negativa chegou com as primeiras derrotas da Seleção nas Eliminatórias 2000 e acompanhou os jogadores na mediocre campanha nas Olimpíadas. E jamais deixou Sydney. Nos primeiros Jogos em que o Brasil saiu sem ouro desde Montreal, em 1976, o milionário cavalo Baloubet du Rouet, de Rodrigo Pessoa, refugou três vezes. O genial iatista Torben Grael queimou a largada final e o inglês Ben Ainslei arrancou, na última regata, o ouro do pescoço do nosso velejador Robert Scheidt. Para completar, o futebol, paixão nacional, começa a ter as vísceras expostas em duas CPIs. Numa delas, o ex-técnico da Seleção Vanderlei, sem W e sem y, Luxemburgo (agora se sabe que foi assim que seu pai o batizou) enrolou-se por não saber explicar um pequeno detalhe: como pingaram R$ 18,8 milhões em suas 30 contas correntes.

Mas a virada – aos 45 minutos do segundo tempo – veio em grande estilo. Foi construída pelos golpes de Gustavo Kuerten, o Guga, um mestre na tarefa de superar os próprios limites, a exemplo dos que fazem da auto-estima uma arma poderosa. Foi o que se viu nas quadras do Masters Cup de Lisboa, conquistado pelo tenista no domingo 3 com um triplo e convincente 6/4 em cima do americano Andre Agassi, até então invicto no torneio. Dias antes da final, ele havia perdido para o próprio Agassi. Sentiu fortes dores na coxa durante a partida e todos apostavam que ele encerraria ali a sua participação. Para chegar ao título e ao topo do ranking, o tenista deveria superar a dor, o russo Yevgeny Kafelnikov – o carrasco que lhe roubou o sonho do ouro em Sydney -, o americano Pete Sampras, considerado pelo próprio Guga o melhor de todos os tempos, e finalmente Agassi. Assim foi feito. Só alguém com a auto-estima de Guga seria capaz de vencer todos esses desafios e tornar-se o primeiro brasileiro número 1 nas duas listas da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP): a Corrida dos Campeões e o Ranking de Entradas. “Neste ano, tive várias chances de ser o primeiro do mundo. Mesmo sabendo que seria difícil terminar a temporada na liderança, cheguei aqui com muita confiança”, declarou, com o troféu na mão.

Guga, o menino que perdeu o pai, Aldo, um ex-juiz de tênis, aos seis anos, foi descoberto pelo mundo na conquista do torneio de Roland Garros, em 1997. O manezinho da ilha de Florianópolis tinha chegado às nuvens. Mas queria o céu. Deixou para trás o rótulo de revelação do saibro (piso de terra). Não teve vergonha de perder para aprender a jogar nos pisos sintéticos. Tenta superar dores na coluna e problemas musculares com sessões de treinamento de até oito horas por dia e sessões de reeducação postural global (RPG). Além disso, aprimorou o saque, as devoluções de serviços, os golpes de backhand e forehand. Nos voleios, a coordenação do corpo ainda não é precisa, mas a jogada já lhe rende pontos preciosos. “Guga, hoje, é um jogador completo. Ainda é melhor no saibro, mas pode enfrentar em igualdade de condições jogadores de alto nível em qualquer piso”, atesta o treinador e comentarista Paulo Cleto, que acompanhou o torneio em Lisboa. “O Guga é um batalhador.

Minha mãe sempre nos ensinou a fazer o melhor possível”, conta a ISTOÉ o irmão Rafael. “Muita gente não entendeu os resultados negativos de 1998, mas ele estava aprendendo a jogar em quadras rápidas. O resultado está aí”, completa. “Na nossa casa, desde quando as crianças eram pequenas, sempre traçamos objetivos a curto, médio e longo prazos. Para alcançá-los, é necessário ter determinação e disciplina”, explica a mãe, Dona Alice, para quem Guga ofereceu a conquista.

Atalhos ou mergulhos? – Todo mundo experimenta, em algum momento da vida, a sensação de não ter sido suficiente ou tão capaz quanto os outros. Guga e sua família parecem seguir, intuitivamente, todos os caminhos que levam ao equilíbrio e ao sucesso. Mas o mundo menos iluminado, incapaz de superar obstáculos com tamanha naturalidade, começa a sofrer na hora de decidir se busca solução num mergulho profundo no universo da psicanálise ou recorre aos atalhos dos manuais, palestras e cursos de auto-ajuda. Os terapeutas clássicos acusam os gurus da realização pessoal de jogar o problema no colo de quem busca a solução. “A literatura de auto-ajuda é enganosa. Prega que o sujeito é a fonte de sua própria força, responsável por seu sucesso e fracasso. Ele é obrigado a sair de um pântano puxando-se pelos próprios cabelos”, compara a presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ana Bahia Bock. Por outro lado, os papas da auto-ajuda argumentam que as pessoas precisam das ferramentas criadas por eles para suportar o bombardeio de cobranças criado pela sociedade moderna. O único ponto de consenso é o de que grande parte da auto-estima se constrói na infância. Assim, as primeiras responsabilidades acabam sendo divididas entre pais e professores.

Além dos manuais, cursos e seminários, há uma infinidade de produtos sobre o tema para pais e educadores à venda na internet. Cartões coloridos com mensagens otimistas para os pais colocarem na lancheira dos filhos. Pôsteres decorativos sugerindo aos pequenos o que fazer para se sentirem bem com eles mesmos – dizer o que se pensa aos amiguinhos é uma delas. Jogos terapêuticos combinam diversão e aprendizado. O americano Proud to Be Me (Orgulhoso de mim), por exemplo, estimula o diálogo entre pais e filhos por meio de perguntas e respostas. “Eles podem ser instrumento para desenvolver formas alternativas de comunicação e ajudar as pessoas a se sentirem mais capazes e merecedoras de serem felizes”, atesta o professor paulista de inglês Juan Uribe, 26 anos.

A febre da auto-estima fez surgir também um conselho internacional sobre o assunto, do qual Uribe é um dos presidentes no Brasil. Nos dias 10 e 12 de novembro, seus organizadores realizaram em Buenos Aires o I Congresso Internacional de Auto-Estima, com a participação de representantes de 18 países. O encontro discutiu estratégias de relacionamento entre professores e alunos para desenvolver a segurança, a identidade e a competência nas salas de aula. “Crianças com baixa auto-estima tendem a não completar os estudos e virar mão-de-obra desqualificada no futuro”, afirma o professor. No Brasil, na opinião de Uribe, há pouco preparo para lidar com a auto-estima infantil, tanto em casa quanto na escola. Os maiores erros são a comparação, a definição de rótulos e a transformação de falhas em defeito pessoal. “Em vez de sentenciar que a menina é ruim em matemática, o ideal é dizer que faltou estudar tal matéria”, exemplifica Uribe. O principal, segundo ele, é fazer a criança saber que será amada independentemente de seus erros e acertos.

Os educadores concordam que boa parte da auto-estima se constrói na infância. Pais, portanto, podem ajudar a criar adultos bem resolvidos quando falam a verdade, respeitam e preparam seus filhos para lidar com os erros, a exemplo do que fez dona Alice com Guga. Quando a criançada faz muito barulho em casa, é comum que se tente controlá-los lançando mão de argumentos como “filho bonzinho se comporta” ou “papai do céu não gosta de criança barulhenta”. “Agindo assim, os pais passam a idéia de que a criança estará sempre à mercê do julgamento externo. Isso afeta a capacidade de julgamento”, avalia a psicanalista Ruth Diksztejn, da Universidade de São Paulo. E nada de falsos elogios. “Se o filho não joga bem futebol e você diz que ele é o máximo, quando entrar em campo e errar vai se sentir frustrado”, explica a psicóloga Denise Ramos, da PUC de São Paulo.

Uma auto-estima saudável é indispensável para nossa capacidade de funcionar. Quem tem uma imagem equilibrada de si mesmo mantém relacionamentos estáveis com as pessoas, se sente responsável pelas decisões que toma e alimenta uma visão otimista dos outros e do futuro. Descompensada, ela pode se revelar no casamento frustrado, na carreira sem perspectivas, na necessidade de aprovação, na incapacidade para desfrutar sucessos ou digerir derrotas. Em resumo, o mundo pode virar um lugar assustador. “Pessoas com pouca auto-estima criticam os outros, estão sempre querendo impressionar e mostrar que são importantes”, disse a ISTOÉ o presidente do Conselho Internacional de Auto-Estima, Robert Reasoner. Para escapar desses sentimentos de inadequação, segundo Reasoner, muitas se entregam ao álcool e às drogas. Também desenvolvem distúrbios alimentares, como compulsão, bulimia e anorexia. “Quem não está satisfeito com a aparência tenta se adequar a um padrão de beleza que não é o seu”, observa a psicóloga Cristiane Costa, especialista em distúrbios alimentares.

Radical – Para elevar a auto-estima, o superintendente de comercialização e atendimento da Copel Telecomunicações de Curitiba, Valdemiro Sobrinho, 46 anos, apelou para vários cursos. Ao lado de outros dez funcionários da empresa, ele até andou sobre brasas. “Não dá para queimar o pé porque é muito rápido. No final, você se sente bem e cria uma âncora para situações difíceis no futuro”, assegura. Há cinco anos, Sobrinho entrou em crise. “Me sentia um gerente fracassado. Não conseguia montar uma equipe. Tinha dificuldade de relacionamento com os colegas e não sabia lidar com resistências interiores”, lembra o executivo, que hoje também dá aulas sobre auto-estima.

Sobrinho foi aluno do terapeuta Eduardo Shinyashiki, irmão do psiquiatra Roberto Shinyashiki. Roberto, psicólogo oficial da delegação brasileira nas Olimpíadas de Sydney, provocou polêmica ao colocar os jogadores de vôlei para correr sobre um tapete de carvão incandescente. A idéia, segundo os irmãos, era transformar o medo em aliado. “Não se pode brigar com ele. Temos que aprender a usá-lo como qualidade. A maior dificuldade das pessoas é a de amar a si mesmas. Temos que pensar que somos capazes e merecemos tudo de bom que nos acontece”, prega Eduardo, que dá cursos a empresários, professores e profissionais de saúde dos municípios de Iporã, Tubarão e Camboriú, no Sul do País. Todo mundo sabe que tem de amar a si mesmo e levantar sempre, não importa o número de quedas. Mas como transformar a teoria em prática?

Infelizmente não existem fórmulas mágicas. Nathaniel Branden desenvolveu a técnica de conclusão de frases do tipo Se eu tiver mais responsabilidade por minhas escolhas no dia de hoje… ou Se eu aceitar mais todas as partes de mim… Durante três horas, os pacientes lêem em voz alta os finais que escreveram e discutem com o resto do grupo. O método não chega a ser uma novidade e lembra muito as técnicas da neurolinguística. Funciona como uma desprogramação negativa do cérebro e Branden diz que o êxito é garantido. Nos cursos de auto-estima que a psicanalista Ruth Diksztejn promove na Universidade de São Paulo, os pacientes também falam sobre seus problemas e se auto-avaliam. Para apagar a imagem ruim de si mesmos, têm de ser persistentes. E aprender a transformar em amiga a vozinha crítica e destrutiva que azucrina os pensamentos. Valem também truques para mentalizar os pontos que devem ser mudados. “ Aconselho técnicas como escrever mensagens positivas no maço de cigarro, no computador ou no espelho”, observa Ruth. Mas ter a obrigação de pensar positivo 24 horas ao dia também pode ser muito estressante. Na opinião de Deepak Chopra – o guru espiritual de Madonna, Michael Jackson e Demi Moore –, a saída é voltar-se para a meditação e o ioga. “Quanto mais centrado você estiver com o corpo, mais vai se entender e descobrir o seu potencial”, aconselha.

Muitas pessoas encontram a saída numa inexplicável força de vontade. Superam as adversidades para mostrar a os outros que são capazes de se levantar. Experts em auto-estima reconhecem a existência de verdadeiros heróis. Saem de lares absolutamente desestruturados e conseguem se dar bem na escola, criar relacionamentos saudáveis e desenvolver um poderoso senso de valor próprio. Por isso, muitos especialistas preferem encarar a auto-estima como uma série de escolhas conscientes ao longo da vida. A batalha é interna. Tem que se optar entre aceitar a realidade ou negá-la, ser honesto consigo mesmo, corrigir os erros ou nem notá-los, estar aberto a críticas ou fechar a mente. É importante também se esforçar para descartar o teor catastrófico das derrotas. Dramatizar, jamais.

Persistência – Talvez os atletas sejam nossos melhores exemplos. O tempo todo estão aprendendo que sempre há alguém melhor do que eles. Medalha de bronze no revezamento 4×100, o nadador Fernando Scherer, o Xuxa, 25 anos, rompeu um ligamento do pé direito e não conseguiu chegar à final dos 50m. Antes e durante as provas, a auto-estima do nadador oscilou. “Sofri muito. Quando perco, tento me lembrar do que já fiz de bom. Posso fazer de novo na próxima vez. Não pode supervalorizar. Existem coisas piores na vida do que não fazer algo direito”, diz Xuxa – não por acaso amigo e conterrâneo do campeão Guga.