Às 11h22 de 14 de maio de 1995, o topo do mundo era verde-e-amarelo. Por três horas, o paranaense Waldemar Niclevicz e o fluminense Mozart Catão posaram para fotos, se emocionaram e curtiram juntos o frio mais agradável de suas vidas. Desde então, nunca mais a bandeira nacional chegou tão alto. Esta semana, em comemoração ao aniversário da conquista, duas duplas embarcam para o Everest. Em uma delas, é o próprio Niclevicz, 39 anos, quem assume o comando, desta vez acompanhado por Irivan Gustavo Burda, 33, seu parceiro na escalada do Lhotse (quarto maior pico do mundo, também no Himalaia), três anos atrás. Mozart Catão, com quem subiu o Everest, morreu em 1998 na parede sul do Aconcágua. “Resolvida a burocracia em Katmandu, capital do Nepal, pretendemos iniciar a subida do Everest em 12 de abril. Um mês depois estaremos perto do pico”, conta Niclevicz. Se tudo der certo, o ataque final coincidirá com o aniversário da conquista. “Vamos levar uma bola de futebol e uma bandeira do Brasil confeccionadas por presidiários. Em um dos acampamentos, desafiaremos os sherpas para uma pelada na neve. Provavelmente, vamos levar uma surra por causa da altitude. Mas a festa será nossa”, promete o pioneiro.

Sherpas são os moradores das montanhas geladas do Himalaia. Budistas, conhecem o gigante gelado pelo nome de Chomolungma, ou “deusa-mãe do mundo”. Os demais habitantes do Nepal chamam a montanha de Sagarmatha, ou “porta do céu”. No Ocidente, a denominação oficial é uma homenagem ao geógrafo inglês George Everest, que “descobriu” o monte em 1841 e, por meio de cálculos trigonométricos, estimou sua altitude. Com a intensificação do fluxo de viajantes à região – estimulados por resultados cada vez mais animadores e equipamentos cada vez mais modernos –, a maioria dos sherpas encontra emprego como guia nas expedições. Suas lendas tornam menos desoladora a escalada pela face sul, escolhida por Niclevicz e Burda.

Mais heróica será a travessia empreendida por dois aventureiros de Campinas (SP). Rodrigo Raineri, 35 anos, e Vitor Negrete, 37, subirão pelo espigão norte – mais perigoso –, a partir do Tibete, e ousarão entrar para a história como os primeiros brasileiros a vencer o gigante sem o uso de oxigênio suplementar. “Nossa proposta é escalar respirando normalmente. O oxigênio suplementar reduz em dois mil metros a sensação de altitude”, explica Raineri. Os dois se conhecem há 16 anos e escalam juntos desde 1991. Em 2002, tornaram-se os primeiros brasileiros a vencer os 6.962 metros do Aconcágua, nos Andes, pela face sul, a mais difícil e perigosa, e puderam experimentar os efeitos maléficos do ar rarefeito ao organismo. Nada comparável aos 8.850 metros do Everest. “Os picos acima dos oito mil metros são conhecidos como zona da morte. Nessa região, há pouco oxigênio no ar. A dificuldade na respiração é potencializada em situações de desgaste caracterizadas por frio intenso, alimentação inadequada e desidratação. Por isso, é fundamental tomar pelo menos quatro litros de água por dia e realizar uma correta aclimatação”, diz Negrete, que deixa a esposa grávida e um bebê de um ano à sua espera.

Acostumados aos treinos de resistência, necessários para aumentar a capacidade cardiopulmonar, Raineri e Negrete passarão 30 dias entre subidas e descidas na montanha. “Esse procedimento, conhecido como aclimatação, serve, entre outros, para estimular o organismo a produzir maior número de glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte do oxigênio para os tecidos”, explica Clemar Corrêa da Silva, diretor-médico da Associação Brasileira de Esportes de Aventura. Ainda assim, os dois devem estar preparados para a confusão mental típica da alta altitude. O tempo gasto para tomar decisões é maior do que ao nível do mar, motivo da maioria dos acidentes. “Checamos diversas vezes cada procedimento e nos policiamos para agir sempre de maneira técnica. Coloco as ferramentas sempre nos mesmos lugares da mochila para não precisar pensar na hora de pegá-las”, conta Negrete.

Os primeiros ocidentais a alcançar o pico sem oxigênio suplementar foram os austríacos Reinhold Messner e Peter Habeler, em 1978. “Na época, a comunidade científica dizia que isso seria impossível. O choque foi o mesmo que teríamos hoje se víssemos um homem caminhando na Lua sem roupa de astronauta”, compara Negrete. Veterano de duas subidas ao Everest sem oxigênio, o americano Ed Viesturs conta que a sensação física nas alturas é semelhante à de uma pessoa prestes a se afogar. Até hoje, menos de 50 aventureiros ocidentais repetiram a proeza. O próprio Niclevicz reconhece o heroísmo da batalha prometida por Raineri e Negrete. “Eles farão uma viagem bem mais difícil do que a minha. Eu apenas quero repetir a expedição de dez anos atrás para comemorar”, diz. Para Raineri, também não faltam motivos para comemorar. A viagem coincide com seu 36º aniversário, celebrado em nove de maio. “Vamos festejar com raspadinha. A gente leva suco de groselha e mistura com raspas de gelo”, conta. O champanhe fica para a volta.

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