Ator que vive pela primeira vez um herói de história em quadrinhos no cinema fala de seu amor pela língua portuguesa e do universo de aparências de que vive o mercado de trabalho em Hollywood

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ADMIRAÇÃO
"O que mais me impressiona no brasileiro é seu ritmo. No Brasil, parece que
as pessoas estão dançando, mesmo quando não há música"

 

Filho do ator Kirk Douglas, uma lenda na história do cinema, Michael Douglas já nasceu na “realeza” de Hollywood. Para provar que poderia ser mais que “o filho de Kirk”, o ator começou de baixo e mergulhou nos tipos poderosos, ambiciosos e facilmente corruptíveis ao longo de 50 anos de carreira. A conquista do Oscar veio justamente com a performance como o especulador da Bolsa de Valores Gordon Gekko, eternizado pela frase “A ambição é boa” em “Wall Street – Poder e Cobiça”, de 1987. Um dos atores mais ricos da indústria, com fortuna estimada em US$ 200 milhões, Douglas desacelerou desde que se casou, em 2000, com a atriz Catherine Zeta-Jones, com quem tem dois filhos.

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"Estou em uma fase da vida em que gostaria de filmar mais produções
que os meus filhos menores pudessem ver. Dependendo da reação
aqui, acho que terei mais chances de interpretar papeis heróicos"

 

São poucos os trabalhos que conseguem tirá-lo hoje de casa, um luxuoso apartamento em Nova York com vista para o Central Park. Um deles foi a proposta de viver o empresário e cientista Hank Pym de “Homem-Formiga”, superprodução da Marvel que estreia no dia 16 no Brasil. “Desta vez posso me orgulhar de fazer a coisa certa na tela”, brinca o ator de 70 anos, referindo-se ao fato de Pym impedir que a tecnologia do encolhimento, desenvolvida por ele, caia nas mãos de mercenários interessados em vender a tecnologia como arma militar. A seguir, a entrevista concedida à ISTOÉ, em que Douglas lamentou os escândalos de corrupção no Brasil e falou do papel da indústria do entretenimento na decisão da Suprema Corte Americana em legalizar a união homossexual em todo o país.

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"Há décadas são produzidos seriados de televisão com personagens
homossexuais, como ‘Big Bang Theory’, ‘Will & Grace’ e tantos outros.
Essas séries fizeram com que a sociedade ficasse cada vez mais
à vontade com o homossexual e todo o seu universo"

 

ISTOÉ

 O sr. coleciona personagens poderosos no cinema, incluindo políticos. Isso aumenta o seu interesse pelo noticiário de política internacional? Tem acompanhado os escândalos de corrupção no Brasil?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Pelo que acompanho, trata-se de um dos maiores escândalos de corrupção da história do País, envolvendo os políticos que estão no governo. Espero que esses escândalos sejam resolvidos. Só receio que a corrupção no Brasil seja muito profunda. Temo que apenas a ponta do iceberg tenha sido exposta. A corrupção é sempre um assunto que me toca, onde quer que esteja.

 
ISTOÉ

 Por quê?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Porque nós também sofremos desse mal nos Estados Unidos. Descobrir que as pessoas em quem votamos traíram a nossa confiança sempre nos deixa muito desapontados. O lado bom é saber que com o que está acontecendo no Brasil os políticos saberão que não podem mais sair impunes de ações ilícitas, como costumava acontecer. Só punindo é que os políticos corruptos se tornarão mais responsáveis pelos seus atos.

 
ISTOÉ

 Qual a impressão que o sr. teve do Brasil em suas viagens pelo País? 

 
MICHAEL DOUGLAS

 Estive no Rio e na Bahia de férias. Infelizmente não falo nem um pouco de português, que é uma língua muito bonita. O que mais me impressiona no brasileiro é seu ritmo. No Brasil, parece que as pessoas estão dançando, mesmo quando não há música (risos). 

 
ISTOÉ

 Isso o surpreendeu? 

 
MICHAEL DOUGLAS

 Para um país tão quente e úmido, não se espera que as pessoas sejam tão ativas. Gostei muito do otimismo que senti no ar durante a minha visita a São Paulo. Estive na cidade em 1999, para a inauguração do AOL Latin America. Naquela época o Brasil estava em plena ascensão econômica, o que sei que não é mais o caso. Isso foi antes dos problemas econômicos e dos escândalos de corrupção. 

 
ISTOÉ

 O seu personagem em “Homem-Formiga” é mais um homem poderoso. Mas o cientista Hank Pym preserva uma retidão e uma ética que só vemos hoje em histórias para crianças. Por que é aparentemente tão difícil fazer a coisa certa, quando se tem o poder?

 
MICHAEL DOUGLAS

 São poucos os que não se deixam seduzir pelo dinheiro. Foi essa realidade que me instigou a interpretar personagens como Gordon Gekko (o especulador inescrupuloso de “Walt Street”). No filme “Homem-Formiga”, a empresa do meu personagem, a Pym Tecnologies, é muito bem-sucedida. Até que um protegido do meu personagem (vivido pelo ator Corey Stoll) cai em tentação e corrompe uma ideia minha, buscando um propósito maligno. Ele passa a incitar mais uma guerra, simplesmente porque isso o fará ganhar muito dinheiro. A história se repete em todo lugar onde as pessoas tomam o dinheiro como a coisa mais importante do mundo.

 
ISTOÉ

 Qual o segredo para tirar o melhor de Hollywood sem se deixar seduzir pelo dinheiro e pelas superficialidades que gravitam ao redor da profissão?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Quando você começa de baixo, trabalhando nos estúdios, é mais fácil manter os pés no chão. Muitos profissionais da indústria foram office boys, escalando aos poucos os degraus da hierarquia da grande empresa cinematográfica. Quem não tem vínculo permanente com nenhum dos estúdios, como eu, precisa ter faro para se cercar das pessoas certas. O que aprendi com todos esses anos de experiência é que o mais importante é ter faro para reconhecer um bom roteiro. 

 
ISTOÉ

 Um grande diretor e um intérprete impecável não podem mesmo compensar um roteiro frágil?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Sem um bom material nas mãos ninguém consegue vencer nessa indústria. O roteiro é realmente o chamariz. É ele quem vai atrair os melhores profissionais para o projeto, no qual você pode se dar bem ou não. Ter o controle sobre o material é a chave para atrair as abelhas ao mel. Afinal, é com o mel que você se aproxima da abelha-rainha (risos). 

 
ISTOÉ

 E como manter o foco com tanta distração ao redor, como as pressões comerciais que acompanham os grandes lançamentos hoje?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Você precisa ouvir os seus próprios instintos e ignorar todo o burburinho em volta, o que não é fácil. Sempre que passo por Los Angeles, fico com a sensação de que não tenho nada para fazer (risos). Ao ler as publicações sobre o mercado cinematográfico, parece que todos os atores já engataram um novo projeto, menos eu. Não entendo por que todo o resto da cidade está sempre tão ocupado, seja com o trabalho ou com os eventos sociais. Olho ao redor e tenho a impressão que está todo mundo correndo. 

 
ISTOÉ

 E, de fato, os atores de Hollywood estão sempre “correndo”?

 
MICHAEL DOUGLAS

 É tudo faz de conta, faz parte do jogo. Eles encenam, fingindo que estão mais ocupados que você. No fundo, querem parecer mais importantes que você. Poucos entendem qual é a maior riqueza.

ISTOÉ

 E qual é?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Ter tempo. Tempo bem equacionado entre a vida pessoal e profissional. É por isso que as pessoas mais poderosas em Hollywood, como os CEOs dos estúdios, são as mais fáceis de contatar pelo telefone. Elas atendem você rapidamente, enquanto as pessoas que trabalham para elas posam de atarefadas. 

 
ISTOÉ

 Foi com essa equação que o sr. encontrou tempo para encabeçar uma campanha de desarmamento na Organização das Nações Unidas? Como Mensageiro da Paz, o que mais tem feito sobre a causa?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Sim. Trata-se de uma questão importante para mim. Participo de campanhas e faço a narração ou a apresentação de filmes para a Organização das Nações Unidas focados no desarmamento, sobretudo na eliminação de armas nucleares. Participei de um documentário, na Albânia, em que denunciamos o processo de recrutamento de crianças como soldados. Sempre que posso, estou no escritório das Nações Unidas para discutir ideias para diferentes projetos. Só com a sociedade informada sobre o assunto é que os políticos darão a atenção que o tema merece.

 
ISTOÉ

 Recentemente, a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizou o casamento entre homossexuais. O sr. acredita que a visibilidade para a cultura gay na indústria do entretenimento ajudou nesse processo? 

MICHAEL DOUGLAS

 Sim. Nossa indústria teve um papel muito importante na mudança de mentalidade do povo americano. Há décadas são produzidos seriados de televisão com personagens homossexuais, como “Big Bang Theory”, “Will & Grace” e tantos outros. Essas séries fizeram com que a sociedade ficasse cada vez mais à vontade com o homossexual e todo o seu universo. Enquanto isso, essa realidade foi se solidificando. Em praticamente toda família nos Estados Unidos, como imagino que aconteça no Brasil, há um membro gay. 

 
ISTOÉ

 Embora esteja num filme de super-herói, como “Homem-Formiga”, os heróis que encarnou ao longo da carreira quase sempre foram pouco convencionais. O sr. concorda?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Sim, embora tenha feito alguns mais tradicionais, como em “Meu Querido Presidente” (1995), fiquei conhecido pelos anti-heróis, como o de “Um Dia de Fúria” (1993). Isso foi um reflexo da minha atração pelos personagens mais obscuros, sempre os mais interessantes, perigosos e fascinantes. Mas confesso que estou curioso para ver como o espectador receberá o meu personagem em “Homem-Formiga’’. Estou em uma fase da vida em que gostaria de filmar mais produções que os meus filhos menores pudessem ver. Muitos do que fiz nas telas, como “Atração Fatal” (1987) e “Instinto Selvagem” (1992), ainda é proibido para eles (risos). Dependendo da reação aqui, acho que terei mais chances de interpretar papeis heróicos. Curiosamente, foi o meu filho, Dylan, de 14 anos, o primeiro a perceber isso.

 
ISTOÉ

 Como assim?

 
MICHAEL DOUGLAS

 Assim que ele soube da minha primeira participação num filme da Marvel, Dylan reagiu como se fosse um agente de atores de Hollywood. Ele falou: “Pai, isso pode abrir uma nova faixa de espectadores para você” (risos).