Poderia ter sido uma viagem de sonhos. Tratamento VIP na Casa Branca, bolas levantadas com charme por Barak Obama, uma oportunidade única de resgatar, ainda que por poucos dias, a imagem de estadista que andava apagada por aqui. A presidente Dilma Rousseff, porém, levou de contrabando para os Estados Unidos os fantasmas que a assombram no Brasil. No banco ao seu lado no jato presidencial, viajaram tesoureiros, delatores, companheiros sob suspeita, ministros do TCU esperando para ver se ela se desequilibra em suas pedaladas. Dilma perdeu o seu momento. Daqui a alguns anos, ao rever as fotos de seu encontro com o colega americano, talvez ainda enxergue o espectro de Joaquim Silvério dos Reis, o dedo-duro da Inconfidência Mineira que ela desenterrou em Washington, mais de três séculos depois de sua morte, ao compará-lo com os empreiteiros corruptores confessos da operação Lava Jato. Um erro estratégico e histórico que lhe acompanhará por muito tempo.

Ao invés de se apropriar de parte do brilho de Obama, Dilma refugiou-se no terreno sombrio da pressão, no qual geralmente se perde. Sem carisma e talento natural para a eloquência, a presidente costuma tropeçar no improviso, mesmo quando o ambiente lhe parece favorável. Enquanto o parceiro americano destacava o Brasil como “potência global”, a presidente desperdiçava a deixa focando-se na agenda negativa do Petrolão. A mídia americana ignorou-a. A brasileira mostrou a improcedência da referência ao traidor de Tiradentes ou aos torturados pela ditadura militar. Os delatores de hoje falam sob estado de direito e a proteção da lei.

Poucos dias antes, essa espécie de processo autodestrutivo de imagem já havia infringido outro constrangimento a Dilma. O ambiente também era favorável: um evento de lançamento dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas no Palácio do Planalto. Ela lança-se ao risco. Tira os olhos do discurso pronto e se propõe a entreter a plateia como seu mentor Lula fazia. E sai-se como uma, digamos, curiosa saudação à mandioca. Ouve-se risos acanhados da audiência. Minutos depois, com uma bola feita com folhas de bananeira na mão, diz que o objeto é “o símbolo da nossa evolução”. “Quando nós criamos uma bola dessas, nos transformamos em homo sapiens”. Breve pausa e completa: “Ou mulheres sapiens”.

Dilma não é mulher de fazer graças. A construção da imagem que a levou ao Planalto era a da gerente séria, a da mulher corajosa que não se dobrou à tortura e que vivia à margem da velha política do toma-lá-dá-cá. A falta de carisma, nesse quesito, até lhe caía bem, diferenciava-a na Brasília de sorrisos e apertos de mãos tão fáceis quanto falsos. Essa era a sua verdade, que hoje está difícil enxergar. Com a aprovação de apenas 9% da população, segundo pesquisa CNI/Ibope divulgada na quarta-feira 1 de julho, Dilma revela-se frágil e envolvida num enredo que não combina com o que sempre pregou. Na volta da viagem, não há nem perspectiva de sonho.

Luiz Fernando Sá, diretor de Mídias Digitais e Projetos da Editora Três