Todo final de ano, o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) almoça com jornalistas na sede da organização para traçar perspectivas para a economia brasileira. No último encontro, ocorrido em meados de dezembro, Horácio Lafer Piva cometeu um lapso na hora do discurso. “Acreditamos que o País tem todas as condições de crescer aquém dos 4,5% em 2001”, disse o atual presidente da Fiesp, querendo dizer, na verdade, que acreditava na possibilidade de o País crescer além desse porcentual. Foi uma troca acidental de palavras, mas que sintetiza a principal preocupação de empresários e analistas econômicos com o que virá pela frente: o Brasil terá como manter o atual ritmo de crescimento, embalado neste segundo semestre pela queda dos juros e por um câmbio mais favorável às exportações? Ou será que, mais uma vez, a decolagem terá de ser abortada?

O próprio presidente da Fiesp não esconde que essa pulga o incomoda. “Não aguentamos mais essa história de stop-and-go”, diz, usando a expressão em inglês que define o comportamento da economia nacional durante os últimos 15 anos, pelo menos. Nesse período, alternaram-se surtos de crescimento de curta duração (go) e freadas radicais (stop). E o resultado foi um crescimento medíocre. Entre 1994 e 1999, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita cresceu apenas 0,7% ao ano, e nos cinco anos anteriores (entre 1989 e 1994) o desempenho foi ainda pior – uma queda de 0,3% em média a cada ano, de acordo com um estudo recentemente divulgado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), de São Paulo, mantido por empresas nacionais. Muito distante do desempenho da primeira metade dos anos 80, quando esse indicador registrou um crescimento anual médio de 2,4%, e mais ainda do auge do “milagre”, entre 1969 e 1974, quando bateu nos 8,4%.

O perigo vem de fora – A maioria dos empresários e economistas prefere dizer que o ritmo de crescimento deve se manter igual ao deste ano ou um pouco abaixo. O presidente da Sadia, Luiz Fernando Furlan, está entre estes. “Vamos começar 2001 em melhores condições do que começamos o ano passado. A safra agrícola de verão, por exemplo, deverá ser muito boa”, prevê Furlan. O desempenho da agricultura, na análise do empresário, poderá compensar um eventual menor ritmo da atividade industrial, que, no ano 2000, puxou o crescimento.

O socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) à economia argentina e a intenção do banco central americano de baixar os juros também são vistos como possível combustível à economia brasileira. São apontados principalmente pelos que se dizem “moderadamente otimistas”. É o caso do economista Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real, hoje à frente da Associação Nacional de Bancos de Investimento (Anbid). Bacha estima que o País vá crescer 4% em 2001. Ele aponta a Argentina como sua maior fonte de preocupações. “O pacote do FMI vai tirar a economia argentina do noticiário por seis meses. Mas a recuperação será ruim. A questão é saber se as instâncias políticas aguentarão”, diz o economista.

Nas suas projeções, Bacha supõe o tal “pouso suave” da economia americana. Mas há dúvidas entre os especialistas se a desaceleração será branda. Consenso, só quanto a que esta será uma variável-chave para o comportamento do PIB brasileiro em 2001. O ponto central é que os Estados Unidos já estão com um pé no freio. A taxa de crescimento, que andava ainda no primeiro semestre próxima de 5% ao ano, caiu recentemente pela metade. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), define da seguinte forma a situação: “Seria um ajuste tranquilo, não fosse o grau de endividamento. No nível atual, é muito difícil prever como as coisas irão se arrumar.” Grosso modo, a questão principal é que, além de pendurados em dívidas, os americanos têm muitas ações em Bolsa de Valores. E o preço dessas ações vale hoje metade das cotações do início de 2000. O maior risco poderá vir, portanto, do aumento da inadimplência e de seus efeitos sobre a saúde financeira do País.

Saída pelas exportações – “Para que a economia brasileira seja menos afetada por eventuais problemas externos, ainda faltam algumas pré-condições”, diz Maria Silvia Bastos Marques, diretora-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Ela defende a eliminação dos impostos em cascata que incidem sobre a produção, a flexibilização da legislação trabalhista e mais investimentos em educação para a retomada de um crescimento sustentável. Para outros, o principal foco de atenção é a necessidade de aumentar as exportações e assim depender menos do humor estrangeiro. Toda vez que o País começa a crescer, aumentam as necessidades de importações de matérias-primas e produtos de consumo. Quem cobre o rombo adicional nas contas externas são os investimentos e empréstimos de fora. De olho no déficit comercial, o presidente do BankBoston do Brasil, Geraldo Carbone, dá o seguinte conselho: “O governo tem que trabalhar para ter competitividade. Tem que parar de pensar nos próximos 12 meses e passar a pensar nos próximos 12 anos.”

Política industrial – O estudo do Iedi faz sugestões justamente nessa direção. Coordenado pelo economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e diretor-executivo do instituto, o trabalho traz propostas como a redução dos juros e de impostos que incidem sobre a produção e a defesa aberta de incentivos fiscais à agricultura, à indústria de ponta, ao meio ambiente. O economista ressalta ainda outro ponto que considera fundamental: a defesa de políticas regionais de desenvolvimento. “Falta decisão política do governo federal de coordenar uma estratégia para valorizar as potencialidades dos vários Estados da Federação”, diz Gomes de Almeida.

Hermann Wever, presidente da Siemens do Brasil, coloca suas fichas em uma reforma tributária que reduza os impostos sobre a produção de bens exportáveis. “Podemos ter problemas de liquidez se não melhorarmos a balança comercial. É preciso incentivar as exportações e tentar atrair as empresas de alta tecnologia para produzir no Brasil”, considera. Não é fortuita a menção ao segmento de tecnologia de ponta. O déficit do setor neste ano vai fechar em torno de US$ 7,5 bilhões, mas poderá chegar a US$ 15 bilhões em cinco anos, segundo Wever. E aí ficará mais difícil dar jeito nas vulnerabilidades do País.

Bio Barreira

Horácio Lafer Piva
“Perdemos a batalha por uma reforma tributária em 2000, mas não perdemos a guerra. Voltaremos a ela em 2001.”

Kiko Cabral

Maria Silvia Bastos Marques
“É preciso acelerar o processo de construção e de aperfeiçoamento das agências regulatórias, como CVM e Cade.”

Rubens Chaves

Hermann Wever
“Seria importante atrair as empresas de alta tecnologia para virem produzir no Brasil. E, a partir daqui, exportarem.”

Julio Vilela

Edmar Bacha
“A recuperação da economia argentina será medíocre. A questão é saber se as instâncias políticas aguentarão”

Helcio Nagamine

Geraldo Carbone
“Nada do que pode acontecer em 2001 é comparável à crise de liquidez que houve com a desvalorização em 1999.”

Ricardo Giraldez

Luiz Gonzaga Belluzzo
“O ajuste da economia americana será ruim para o Brasil, tanto do ponto de vista comercial como no aspecto financeiro.”

carol quintanilha

Luiz Fernando Furlan
“O governo deve se ocupar dos aspectos técnicos e não só políticos na hora de discutir comércio exterior com os EUA.”