Linguagem de malfeitores, malandros, etc. 2 Linguagem que, nascida de um certo grupo social, termina-se estendendo à linguagem familiar. Essa é a definição do Dicionário Aurélio para uma das maiores manias do brasileiro: a gíria. Vale uma modificação no item 1 do vocábulo. Pega mal associar o chefe de Estado do País aos malfeitores e malandros citados pelo pai do vernáculo. No entanto, na quinta-feira 14, o presidente Fernando Henrique Cardoso usou uma camiseta para saudar o tenista Gustavo Kuerten, na qual se lia: “Arrombassi, Guga.” A frase revela uma das gírias que correm as ruas e praias da capital catarinense. “Arrombassi quer dizer arrebentou, foi muito bem”, explica o surfista Guga Arruda, 27 anos, citado no Guinness book como o homem que surfou a onda mais longa do mundo. Também por causa do tenista, o Brasil começa a se acostumar a chamar de “manezinho” o nativo de Florianópolis.

O Rio de Janeiro é o maior produtor de expressões que acabam virando moda no resto do Brasil. Da criatividade do carioca saíram “ah, eu tô maluco”, “sangue bom”, “mauricinho e patricinha” e “o bicho tá pegando”. O verão 2001 tem tudo para ficar marcado pelas novíssimas “A chapa tá esquentando” e “tá dominado”. A primeira é a tradução literal de que a situação está complicada, ficando difícil. A outra é refrão de um funk dos S.D. Boys. É cantada em estádios de futebol pela torcida vencedora. É também usada para se referir a garotos(as) que estejam “enforcados” (namorando). A maioria dessas expressões nasce nos bailes funks das favelas, dos quais Paola Garcia, 18 anos, estudante de jornalismo e flamenguista doente, é frequentadora assídua. Não que ela pegue uma condução e vá se meter sozinha no morro, tarde da noite. Ela anda sempre em bando e não é de “farpação” (leia quadro). Seu grupo é de Andaraí, bairro vizinho à Tijuca, onde mora. “Somos do asfalto, mas conhecemos muita gente do morro”, ufana-se Paola.

Cada brasileiro tem pelo menos uma gíria no seu vocabulário. Mesmo assim, alguns gramáticos e linguistas torcem o nariz para essas expressões. Acreditam que elas empobrecem o vernáculo. O músico e professor de linguística e semiótica da Universidade de São Paulo, Luiz Tatit, discorda dos colegas. Na opinião dele, as gírias são elementos renovadores da linguagem. “Sem a gíria, o sistema linguístico não funcionaria. Elas são as responsáveis pela formação dos novos termos, o que hoje é difícil de surgir”, diz. Tatit confessa gostar de gírias. Entre as suas preferidas estão “tá ligado” “se pá eu vou”. Gostar não é sinônimo de usar. Dificilmente se verá qualquer um desses termos em uma composição do músico. “Nem sempre pinta oportunidade”, justifica-se.

O rap e o hip-hop estão colocando São Paulo no mapa das gírias. É bom lembrar que a expressão “mano”, para amigo muito próximo, saiu da periferia da cidade. O cantor e apresentador João Gordo conhece muito bem o lugar. “O rap e o hip-hop estão lançando várias gírias. Isso sem contar a malandragem. A periferia é a responsável pelo modismo”, diz. O vocalista da banda hard-core Ratos do Porão se diz um inventor de gírias. De cada dez palavras que fala, nove são gírias. “Hoje em dia, tudo é “bagulho” e “tá ligado”. Com essas duas palavras você se vira”, afirma.