O 13, número mágico do PT, estampado no painel de votações da Câmara na noite de terça-feira 15, marcou uma nova e dramática derrota do Palácio do Planalto. Por 399 votos contra 13 solitários defensores do governo, os deputados aprovaram uma proposta de emenda constitucional que desfaz, em parte, a reforma da Previdência aprovada com sangue e suor em 2003. Um acordo desesperado no dia seguinte, com a oposição, evitou que uma sangria ainda maior custasse R$ 14 bilhões ao Tesouro nos próximos 20 anos. Mesmo assim, novas regras de transição, tetos mais altos de aposentadoria e benefícios extras amenizaram o texto original aprovado há 15 meses, desequilibrando outra vez as contas públicas. Preocupado com a tempestade que se formava no horizonte do Congresso, o presidente Lula pediu, durante a votação, uma cópia do projeto que estava sendo votado. Ninguém, na liderança do governo e no Ministério da Coordenação Política, dispunha do texto para mostrar ao presidente. Lula ficou furioso.

O episódio mostra o nível de desarticulação política a que chegou o governo, numa semana em que o Executivo permaneceu imobilizado, à espera de uma reforma ministerial que não ata nem desata, por conta das pressões dos partidos e da hesitação do presidente. “Ninguém sabe o que fazer, ninguém obedece ninguém, não há comando”, lamentava-se um assessor de Lula, na quinta-feira 17. “O ministro não sabe se sai, se fica. Por isso, não assina nada, a máquina não anda e o governo parou”, reconhece um secretário nacional do Ministério da Saúde. Humberto Costa, candidato unânime ao primeiro desemprego no governo, estava demitido no início da semana, mas na quinta-feira foi chamado por Lula para acompanhá-lo na viagem a Aracaju (SE), sexta-feira 18. Como o ministro seria a estrela principal da festa de aniversário do PT no Recife, domingo, ganhou sobrevida na Esplanada – e a reforma continuou moribunda, esgarçando dúvidas e ressentimentos em Brasília. Os percalços da política, somados, acabaram elevando o risco na economia.

Democraticamente, Executivo e Legislativo tiveram idêntica responsabilidade nos ataques ao Erário. No escurinho, o Ministério da Fazenda enxertou, em janeiro passado, numa burocrática medida provisória sobre créditos de exportação, a MP 237, um artigo malandro que cria exceções à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e livra a cara da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT) (leia entrevista à pág. 52). A MP legaliza um contrato feito pela prefeitura com o Ministério de Minas Energia para troca de lâmpadas nas vias públicas, feito sem a devida autorização da Fazenda. Sem esse artifício, retroativo a 2000, Marta ficaria sujeita a dois anos de prisão e a uma inelegibilidade que a tiraria da sucessão paulista em 2006. “Quer coisa mais imoral que isso? É prova da malícia e da malandragem do governo”, atacou o senador tucano Tasso Jereissati (CE).

Herança – O governo teve que amaciar a vida financeira dos Estados e municípios para resolver outra herança maldita da ex-prefeita paulista: a dívida de R$ 7 bilhões acima dos limites legais que o atual prefeito José Serra teria de pagar ao Tesouro até o final de abril para cumprir a LRF. Com uma interpretação generosa da lei, a Fazenda decidiu que a Prefeitura de São Paulo terá até 2016 para se enquadrar nos limites de endividamento. A decisão beneficia também outros quatro governos estaduais. E a União deixa de receber agora R$ 26 bilhões. Na quarta-feira 16, o Congresso deu outra munição ao descontrole das contas públicas. Duas semanas depois de ser forçado a desistir do aumento salarial para deputados, o incansável presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), arranjou um jeitinho de melhorar as finanças dos seus pares: num ato administrativo da Mesa, que não precisou passar pelo filtro do Plenário, reajustou em 25% a verba de gabinete, que passou de R$ 35 mil para R$ 44 mil. E até o final do mês, ela vai pular para R$ 50 mil. Só na conta da Câmara são mais R$ 100 milhões.

A desarticulação política do governo também provocou a aprovação, há 15 dias, de outra proposta capaz de gerar uma megadespesa extra de R$ 21 bilhões aos cofres públicos por ano. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aumentou o número de idosos carentes e deficientes de baixa renda com direito a receber um benefício de um salário mínimo da Previdência. Nenhuma santa alma no Congresso preocupou-se em calcular o tamanho do papagaio. Se não quiser ver seu ajuste fiscal rolar por água abaixo, o governo terá de brecar o projeto no Senado. Para impedir desastre semelhante no caso da Reforma Tributária, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, mais uma vez largou a economia para se dedicar à política. Na quinta-feira 17, tratou de almoçar com Severino Cavalcanti para evitar surpresas na votação da reforma tributária, marcada para 29 de março. “Está quase extinta a MP 232. Vai ficar pouca coisa”, festejou Severino, depois do almoço. Para impedir uma derrota, o governo decidiu ceder em vários pontos da reforma, mas isso não bastará.

Novo transtorno virá da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, agora presidida pelo deputado baiano Geddel Vieira Lima, da ala ultra-oposicionista do PMDB. Ele dá como certa a aprovação de um dos principais pontos negociados na reforma: o aumento de um ponto porcentual no repasse do Fundo de Participação dos municípios para as prefeituras, que resultará em uma mordida adicional de R$ 1,5 bilhão no Tesouro. Sinal de mais agonia para um governo que não fecha suas contas e não se articula politicamente. E a conta fica para o contribuinte.