Duplo golpe na impunidade. Demorou, mas o longo braço da Justiça alcançou na semana passada dois nomes ilustres da lista de 824 criminosos indiciados pela CPI do Narcotráfico da Câmara dos Deputados, encerrada em 2000. Na terça-feira 15, em Brasília, o número 1 da lista da CPI, o ex-deputado federal Hildebrando Pascoal, saiu do Tribunal do Júri somando mais 25 anos de prisão aos 37 que já cumpre em um presídio do Acre, onde é acusado de mais de 60 assassinatos praticados nas décadas de 80 e 90 pela “quadrilha da motosserra”, envolvida também em tráfico de drogas e roubo de cargas. Na quarta-feira 16, o Ministério Público do Espírito Santo preparava ofício à Secretaria de Segurança do Estado para afastar do cargo o titular da Delegacia de Menores de Vitória, delegado Gilson dos Santos Lopes Filho, número 131 da lista da CPI, indiciado por crime organizado, corrupção e homicídio. Denunciado no mês passado por seis procuradores do Grupo de Trabalho para Repressão ao Crime Organizado, Gilson será interrogado no início de maio pelo juiz Paulo Sérgio Bellucio, da 2ª Vara Criminal de Serra, cidade a 50 quilômetros da capital. Gilson foi acusado de envolvimento, em 1992, na perseguição e morte do assaltante de banco Adeilton Filho dos Santos, o “Gordinho”, executado por disparo de curta distância – típica execução de “queima de arquivo”, segundo denúncia do MP. Gordinho estava envolvido na rede de extermínio que tentou apagar vestígios da morte por encomenda do prefeito de Serra, José Maria Feu Rosa, em 1990.

O delegado é um ilustre membro da Scuderie Detetive Le Cocq, organização que reunia policiais do alto e do baixo clero do Espírito Santo, advogados, promotores e juízes e a simpatia de figurões do poder político, entre eles o então presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, e o ex-senador Élcio Alvares. Gratz foi cassado, preso e processado como chefe do crime organizado no Estado e Élcio perdeu o cargo de ministro da Defesa no governo FHC pela proteção que deu a membros do crime organizado. A escuderia, que tinha como logomarca um crânio sobre duas tíbias cruzadas, símbolo do Esquadrão da Morte, chegou a ter 800 membros até ser extinta em dezembro passado, quase ao mesmo tempo que o braço da Justiça alcançava o delegado Gilson. Os homens dos grupos de extermínio, quando eram presos, acabavam sendo detidos, defendidos, julgados e inocentados por membros da escuderia infiltrados na Polícia e no Judiciário, perpetuando a impunidade que transformou a região metropolitana de Vitória no foco mais violento do País na década de 90. Era quase um poder paralelo.