O economista Carlos Lessa acaba de mergulhar, aos 68 anos, em uma missão que exige muito jogo de cintura. E já se debruçou sobre o desafio produzindo polêmica, como sempre. Convidado pelo PMDB para formular um programa de alternativa ao PT e ao PDSB para 2006, ele decidiu montar a espinha dorsal da “terceira via” baseando-se em três palavrinhas bem desgastadas nos tempos de globalização: nacionalismo, trabalhismo e populismo. O convite para formular a cartilha foi feito pelo ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho a pedido do presidente do partido, deputado Michel Temer (SP).

Em 60 dias Lessa pretende entregar o calhamaço com as idéias centrais para os articuladores da terceira via, que ainda precisa de um candidato. Por enquanto o nome mais forte é o do próprio Garotinho, que teve sua ajuda na elaboração do programa de governo na campanha presidencial de 2002. Lessa não esconde a mágoa por ter sido demitido por Lula da presidência do BNDES em novembro, mas reitera sua admiração pelo presidente. “Entre um tucano e Lula, eu votaria no presidente, mas acho que ele está iludido e implantando uma política equivocada, transpondo o modelo de Fernando Henrique. Por isso precisamos de uma terceira via”, justifica.

Uma vez concluído que a “civilização brasileira” precisa de uma tese para rejeitar a hegemonia liberal, como produzi-la? Com a ajuda de “sete ou oito colaboradores”, Lessa pretende apresentar um esboço – a ser discutido com outros partidos – recorrendo a dimensões que pareciam varridas do ideário nacional. O trabalhismo é a primeira. Em suas contas, um em cada quatro brasileiros “não tem um emprego que possa ser digno” e 40% deles têm menos de 25 anos de idade. “São cidadãos massacrados no ponto de partida, e por isso o crescimento das condenações criminais é assustador.”

Lessa defende o crescimento como fundamental e classifica de “bobagem monumental” a idéia de que o Brasil precisa ser bem-comportado aos olhos do FMI para atrair investimentos. “Se bom comportamento levasse ao paraíso, a Argentina teria chegado lá. O caminho pelo deserto não leva sempre à terra prometida, pode levar à morte”, alerta. E onde entra o trabalhismo, conceito que parecia ter morrido com Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola? “Se o patrimônio tem regras rígidas, é preciso ter uma legislação trabalhista. O custo Brasil não é da mão-de-obra, é da péssima infra-estrutura e dos juros altos.”

O populismo é o segundo ponto que Lessa tenta reabilitar. “A expressão foi satanizada por intelectuais como Francisco Weffort no esforço para desmontar a era Vargas, mas o populismo parte do princípio sagrado de que a política deve ter como referência principal o povo e seus interesses fundamentais.” Costumam tachar como populismo, segundo Lessa, toda medida concreta de seguro social. A contraposição entre “dar o peixe” e “ensinar a pescar”, segundo ele, é falsa porque “ninguém pesca com fome”. Lessa chega a apontar o populismo como correspondente da social-democracia em países subdesenvolvidos e coloca no mesmo patamar a campanha de Betinho contra a fome, o Fome Zero e as farmácias com remédios a R$ 1 da governadora Rosinha Matheus.

“Quando Lula anunciou o Fome Zero, entrei em felicidade total. Ele dizia que, ao fim de seu governo, nenhum brasileiro dormiria com fome. Seria um grande passo para a civilização, um programa populista no melhor sentido”, diz. “Chamar pejorativamente a farmácia popular da Rosinha de populista é prática de fariseu que não tem uma mãe que precisa de um remédio caro para sobreviver e não tem dinheiro para comprar.”

O resgate do populismo num programa de desenvolvimento, segundo Lessa, deve observar dois limites que o separam do clientelismo: a uniformização da cobertura para “fundar o direito e não manipular o acesso” e a consciência de que ele não supera os problemas estruturais. “O ideal é que todos tenham trabalho e dinheiro para comprar comida e remédio, mas nossa realidade é outra. O populismo é a experimentação da linha social-democrata em estado primitivo”, define.

Para defender o nacionalismo, Lessa diz que solidariedade internacional é papo para inglês ver: metade das mulheres de Uganda terá Aids em 2010 e o mundo nem quer saber, e a globalização não permite a circulação do ser humano entre as nações, só de produtos e capitais. “A solidariedade não existe e o Primeiro Mundo não admite sacrifício. A questão social é nacional e, por isso, a nação tem de ser robusta”, conclui o economista. Deixando claro que o programa não será xenófobo e o capital estrangeiro “é super bem-vindo”, Lessa defende a “brasileiração” dos setores estratégicos, sem o palavrão “estatizar”. Ou seja, setores essenciais para evitar colapsos, como vacinas, fármacos, energia e comunicações, não devem estar em mãos estrangeiras.

“Aumentar a robustez do Estado” ainda requer, pela receita de Lessa, a regulamentação de temas constitucionais, como a do Sistema Financeiro Nacional, a consolidação da transparência – “o governo Lula está conseguindo avanços espetaculares” – e o aperfeiçoamento das instituições democráticas, especialmente do Poder Judiciário. Sem contar o aumento do poder de segurança diante do enfraquecimento das relações multilaterais entre os países. “Não me parece correto termos Forças Armadas frágeis com tanto patrimônio que precisamos proteger para os nossos netos, como a Amazônia, diante da cobiça internacional”, alerta o economista, sem medo da polêmica.