As forças do Taleban podem perder um de seus melhores e mais tradicionais generais. O Pentágono já dá mostras de que não pretende respeitar ou temer o chamado “general inverno”, que já derrotou exércitos incontáveis de impérios invasores do Afeganistão. A campanha movida pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha contra o renitente regime fundamentalista do país e seus aliados da rede terrorista Al-Qaeda pode prosseguir mesmo durante o frio rigoroso que atinge paroxismos a partir de novembro. Fontes militares do Departamento de Defesa americano ouvidas por ISTOÉ disseram que as condições climáticas no cenário da guerra não terão poder de parar suas tropas. “Nós temos casacos de inverno. E os nossos equipamentos são melhores do que os dos talebans. Quem pode morrer de frio são eles”, disse um tenente-general. “Na verdade, com a neve as tropas do Taleban perdem a vantagem de divisar ao longe o movimento de inimigos, denunciados pela poeira que levantam”, diz a fonte. Outro veterano general, o americano Colin Powell, também estava ameaçado de sofrer derrota na batalha que trava no front de Washington. O secretário de Estado Powell anunciava na terça-feira 23 que desejava brevidade nas operações militares de seu país no Afeganistão. Essa posição parecia indefensável diante da estratégia agressiva da ala guerreira do governo Bush. A preocupação do Departamento de Estado era com a saúde da combalida coalizão de países muçulmanos que apóiam de mau grado a causa americana. Teme-se que a luta no frio seja capaz de provocar uma pneumonia nesta aliança. Principalmente porque em novembro também se inicia o Ramadã, mês sagrado de jejum e penitências no calendário muçulmano. “Não existe data marcada para a guerra acabar. Se o Taleban respeita o Ramadã, eles devem entregar Osama Bin Laden e a liderança da Al-Qaeda antes do período sagrado. Caso contrário, são eles que estarão prolongando a guerra”, diz a fonte do Pentágono. Mas as dificuldades para capturar o megaterrorista, vivo ou morto, já são admitidas até pelo secretário de Defesa, Donald Rumsfeld. “O mundo é muito grande, há muitos países. Ele (Bin Laden) tem muito dinheiro, tem muitos partidários e eu simplesmente não sei se teremos sucesso”, disse Rumsfeld em entrevista ao USA Today. Posteriormente, o secretário disse que fora “mal interpretado”.

A fúria islâmica nas ruas dos países da coalizão deve aumentar ainda mais, caso as ameaças americanas de desrespeitar o Ramadã sejam cumpridas. A preocupação no Oriente Médio é que as revoltas sejam impossíveis de ser detidas antes de atingir as salas dos tronos das monarquias absolutistas que governam a região. Para dar mais munição ao radicalismo islâmico, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, ativou sua proverbial metralhadora verbal e disparou contra o corpo territorial de um futuro Estado palestino. O líder israelense prometeu manter suas tropas de ocupação nas áreas de conflito na Faixa de Gaza e Cisjordânia, enquanto não forem apanhados os assassinos de Rehavam Reevi, ex-ministro do Turismo, morto na quarta-feira 17. Pelo menos desta vez, a Casa Branca encontrou motivos para unir sua ira àquela das ruas árabes. Sharon respondeu a um duro pedido de Washington de moderação e retirada de suas tropas dos fronts palestinos com desafio guerreiro: “Só nos retiramos quando nossa missão for cumprida.” Na quinta-feira 25, porém, sob forte pressão americana e do próprio Parlamento em Jerusalém, Sharon foi obrigado a um recuo estratégico e a dar ordens para a retirada de parte do Exército israelense na região.

“Danos colaterais” – A semana parece ter sido predestinada para acumular agravantes no mundo muçulmano. Ela começou com a confirmação de Washington do bombardeio de um hospital afegão, onde 100 pessoas teriam sido incineradas por mísseis americanos. Na guerra de acusações que se seguiu, o Taleban usou como arma a desumanidade do ataque a feridos. A contra-ofensiva verbal do Departamento de Defesa alegou que o Taleban estava usando a população do próprio país como “escudo humano”. Nesta versão, os petardos não erraram o alvo: o hospital demolido escondia lançadores de mísseis antiaéreos. A estratégia do regime de Cabul repetia os ensinamentos do velho Saddam Hussein, que durante a guerra do Golfo, em 1991, escamoteou sua artilharia para não ser totalmente destruída pelas forças aliadas ocidentais. “O Taleban está misturando suas tropas aos civis, e usando hospitais, escolas e até mesquitas como armazém de arsenal”, disse o major J. Kennedy, da Força Aérea dos Estados Unidos. Outra fonte do Pentágono concluiu: “Não havia muitos hospitais civis no Afeganistão antes da guerra. Imagine agora. Aquele hospital bombardeado mantinha mísseis terra-ar do Taleban, que ainda dispara contra os aviões americanos.” Isto explicaria a continuidade dos disparos da defesa aérea do regime, mesmo depois de o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, ter proclamado publicamente que os céus do Afeganistão pertenciam às aeronaves ianques. “Nós vamos continuar atingindo todos os locais onde o Taleban procura para se refugiar”, disse a ISTOÉ.

Ao mesmo tempo que destruía os refúgios do regime, Washington se desdobrava para construir um possível futuro governo para Cabul. A cidade não teria sofrido ainda a ofensiva final das tropas da Aliança do Norte, da oposição, porque o avanço foi barrado pelos patrocinadores deste exército brancaleônico composto por uma colcha de retalhos de grupos étnicos afegãos. O problema é que a etnia mais numerosa do país, os pashtuns, que tem ligações culturais com o vizinho Paquistão, não estaria ainda incluída em número suficiente na composição de uma nova administração no país. Isto pode alegrar russos e iranianos, que não desejam ter fronteiras com um Afeganistão com forte influência de Islamabad, mas vai contra os interesses paquistaneses. “Nossa intenção é patrocinar um governo que inclua todas as etnias e que esteja sob a égide moral do rei Mohammed Zahir Shah”, disse uma fonte do Pentágono. Para um monarca que está longe do trono há quase três décadas, a tarefa de erguer uma nação a partir da poeira das ruínas será virtualmente impossível. Para ajudar sua majestade, espera-se que a Organização das Nações Unidas (ONU) assuma uma administração transitória no Afeganistão. Mas as coisas não estão assim tão fáceis para a oposição afegã. Na sexta-feira 26, o Taleban anunciou que prendeu e executou em Cabul o ex-comandante mujahedin e líder oposicionista Abdul Had. Ele e dois acompanhantes – também executados – foram acusados de “traição”. Had estava clandestinamente no Afeganistão tentando costurar acordos para um futuro governo liderado pelo rei Shah. O ex-comandante estava com dois telefones por satélite e muitos dólares quando foi preso.

Antraz – Enquanto isso, a máquina governamental de Washington penava para exercer suas funções. O prédio do Congresso continuava contaminado por antraz, mesmo depois de as equipes de limpeza terem despejado montanhas de espuma desinfetante por várias alas do famoso imóvel. Descobriram-se resíduos de antraz no elevador que serve o escritório do senador democrata Tom Dashler, primeiro destinatário de carta empesteada. Uma jornalista que cobre o Legislativo foi infectada através das vias respiratórias pelo tipo de vírus mais perigoso. A repórter, porém, foi diagnosticada a tempo de receber tratamento. Teve mais sorte do que as duas funcionárias do correio que trabalhavam na repartição que armazenou a correspondência destinada ao senador Dashler. As instalações daquela agência não passaram pela mesma sanitização dedicada ao Capitólio. As carteiras morreram, provocando indignação no país, que se perguntava se o item da Constituição que determina serem todos os cidadãos iguais estava sendo observado ao pé da letra.

As investigações sobre as características do vírus neste ataque ao Congresso, porém, faziam progressos. Foi determinado que o antraz usado teve manipulação altamente sofisticada para se tornar tão letal. Somente três países têm condições de realizar este trabalho: EUA, Rússia e Iraque. Com esta revelação, Bagdá fica mais perto da mira dos lançadores de mísseis americanos.

A próxima arma
Espectro nuclear começa a pairar sobre o conflito no Afeganistão. Segundo o jornal britânico The Times, autoridades do Paquistão detiveram dois importantes cientistas nucleares, Chaud Abdul Majeed e Sultan Bashiruddin Mahmood, ex-integrantes da Comissão de Energia Atômica, para interrogatório sobre possíveis contatos que eles teriam tido com líderes do Taleban. Ambos são pessoas de “profundos sentimentos religiosos” e estavam no Afeganistão desde 1996, quando o Taleban tomou o poder. Mahmood é considerado um dos pais da bomba atômica paquistanesa. O Times diz que há indícios de que Osama Bin Laden teria adquirido material nuclear. Enquanto isso, uma pesquisa da rede de tevê CNN indicava que 64% dos telespectadores eram favoráveis ao uso de armas táticas nucleares contra o Taleban.

 

Faca de dois gumes

Uma excelente notícia saiu dos laboratórios de engenharia genética. Com a rapidez que faz a ciência dar saltos tecnológicos em tempos de guerra, pesquisadores americanos identificaram a proteína do bacilo do antraz que destrói as células de defesa do organismo, como anfitriã de uma festa assassina. Descobriu-se também uma molécula (ATR) na superfície das células humanas que serve de porta de entrada para que a bactéria espalhe sua toxina no corpo da vítima. Em experiências in vitro, os cientistas criaram cópias sintéticas da ATR para confundir a bactéria e desarmá-la.

Os estudos foram publicados na revista científica britânica Nature, que divulga ainda o sequenciamento dos genes de duas espécies da bactéria salmonela entérica, a mesma que apareceu numa carta enviada ao ex-presidente Bill Clinton. A salmonela provoca a febre tifóide e intoxicação estomacal, e a transmissão ao homem se dá por meio de alimentos e bebidas contaminados. Os estudos valem ouro para a criação de drogas e vacinas. Em um ano deverão ser testados medicamentos capazes de neutralizar a ação da toxina do antraz. Os avanços das pesquisas genéticas – disponíveis em 46 bancos públicos no mundo – têm um lado sombrio. Podem servir de munição para que os terroristas aumentem a resistência de bactérias aos antibióticos, modifiquem propriedade dos genes ou criem vírus invisíveis com o objetivo de dificultar a detecção, o diagnóstico e o tratamento de doenças. Mas a ciência não vai parar. Os pesquisadores sugerem que os 140 países signatários da Convenção de Armas Biológicas implementem meios de fiscalizar seus laboratórios e permitam inspeções da ONU em seus territórios.

Valéria Propato