Não adianta matar Osama Bin Laden. Ele é um líder da juventude muçulmana porque é o único capaz de resistir, enquanto outros líderes árabes só fazem enriquecer. Não haverá paz se não houver um Estado palestino independente e se não puserem fim às sanções e campanhas anglo-americanas de bombardeios contra o Iraque.” O comentário não é de nenhum defensor do terrorista saudita, muito menos do Taleban, mas de um homem paquistanês gentil, de boa prosa, que se tornou um dos mais respeitados intelectuais no Oriente e no Ocidente. Tariq Ali, 57 anos, escritor, historiador, jornalista, com um longo currículo de ativista político socialista, falou de sua casa em Londres a ISTOÉ. Aos 20 anos, deixou sua cidade natal, Lahore, no Paquistão, para estudar na Universidade de Oxford. Não por livre e espontânea vontade, mas porque um tio não queria vê-lo nas manifestações contra a ditadura paquistanesa. “Você pode ir parar na cadeia”, teria dito o tio conselheiro. Em Oxford, sua ótica do mundo islâmico o levaria ao reconhecimento da comunidade internacional.

Hoje, esse pensador continua na contracorrente da história, opondo-se violentamente aos ataques contra o Afeganistão. “Esta é uma guerra cruel, vingativa. Seu objetivo declarado de combater o terrorismo é falso. E ela está causando mais descontentamento, mais desespero e desencadeando a formação de novos terroristas. São semanas de bombardeios que matam civis. Bombardearam até a sede da Cruz Vermelha! E quem será a próxima vítima? Esta guerra insana e irracional não tem outra intenção a não ser mostrar ao povo americano que algo está sendo feito. Mas o que mais assusta é que o Ocidente está cobrindo os olhos com o véu do conformismo”, afirmou.

Fruto de seus anos de estudos é a Tetralogia do Islã, lançada no Brasil pela editora Record, que inclui O livro de Saladino, romance sobre a vida do famoso sultão que venceu os cruzados, tendo como pano de fundo os conflitos entre islâmicos, cristãos e judeus no século XII, e À sombra das romãzeiras, sobre o período de domínio árabe na península ibérica (sécs. VIII a XV). Para ele, é incoerente o Ocidente criticar o fundamentalismo islâmico enquanto fecha os olhos às mazelas de regimes muçulmanos teocráticos como o da Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo Pérsico, só porque são aliados. “Para o Ocidente, a Arábia Saudita resume-se à família real e ao petróleo. A população, convivendo com um índice de desemprego de quase 40%, foi abandonada. O Ocidente ignora completamente as condições em que vive o povo saudita, especialmente as mulheres. O Taleban, por exemplo, se inspirou no tratamento dado às sauditas para confinar as afegãs à clausura”, disse Ali.

O escritor também ressalta o elo existente entre o conflito no Oriente Médio e a guerra do Afeganistão. “Bin Laden deixou clara a ligação dos ataques aos EUA com a situação dos palestinos e iraquianos. A contínua opressão aos palestinos e as sanções contra o Iraque estão ligadas aos atentados. Seis mil pessoas foram mortas nos EUA; mas também seis mil iraquianos morrem todos os meses devido às sanções. E isto é invisível aos olhos da mídia e dos líderes ocidentais. Mas, para o mundo árabe, está tudo muito claro”, sentencia Ali. Para o escritor paquistanês, os ocidentais geraram “monstros que se voltam contra eles mesmos”. “Agora eles dizem: venham nos ajudar a combater esses monstros. Mas quem os criou e por que eles foram criados? Se não houver compreensão dos erros que foram e continuam sendo cometidos, eles se perpetuarão. Depois do atentado do dia 11 de setembro, muito lixo está sendo escrito por ignorantes que não sabiam nem encontrar o Afeganistão no mapa.”


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