Primeiro vem a sensação de que algo diferente está acontecendo. Por que meus amigos gostam do sexo oposto e eu não? Será que tenho alguma doença? Quando tudo começa a fazer sentido e o gay se depara com a dúvida entre assumir ou não sua orientação sexual, a quem ele pode recorrer? Com quem conversar? Não é fácil para o homossexual resolver seus grilos sem compartilhá-los com alguém, seja um amigo próximo, a mãe ou um psicanalista. Pensando nisso, o terapeuta Klecius Borges acaba de inaugurar em São Paulo o primeiro consultório especializado em aconselhamento psicológico para gays e bissexuais. Seu trunfo: Borges é gay assumido e viveu experiências semelhantes às da maioria de seus clientes. “É evidente que um psicoterapeuta heterossexual pode ajudar. Mas um homossexual pode ir além, na medida em que ele tem uma experiência parecida e pode discutir coisas muito concretas sobre um ambiente que ele conhece bem”, considera.

Durante seis meses, Borges morou em uma comunidade GLS em Washington, um desses bairros em que lojas e restaurante expõem nas fachadas bandeiras com as cores do arco-íris. Participando de ações em defesa da diversidade nos Estados Unidos, Borges percebeu que o paciente gay precisa não apenas aprender a se aceitar, mas deve descobrir os aspectos positivos de sua orientação sexual. É o que ele chama de terapia afirmativa. “Nas grandes cidades americanas, muitos terapeutas se identificam como gays. As listas de páginas amarelas trazem quatro ou cinco páginas com endereços de terapeutas afirmativos homossexuais”, diz. O Brasil ainda se ressente da falta de serviços especializados como esse. Além de terapia individual, o consultório de Borges oferece suporte emocional em reuniões de grupos gays e faz aconselhamentos pontuais sobre impasses específicos. E não é preciso ficar com medo de enfrentar sorrisos insinuantes da recepcionista. O consultório, localizado em um bairro sofisticado de São Paulo, é discreto.

Um terapeuta gay assumido pouparia algumas semanas na vida de André Fischer, 36 anos, criador do Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual e um dos responsáveis pelo termo GLS. Aos 18 anos, ele também procurou ajuda psicológica. “Fui fazer psicanálise escondido dos meus pais. Enrolei a psicoterapeuta por mais de um mês até conseguir falar sobre a minha sexualidade”, conta. Para ele, que contou para a mãe no ano seguinte, todo tipo de suporte emocional é bem-vindo. Tanto que, no site do Mix Brasil coordenado por ele, há uma página com dicas para “sair do armário” e um guia para pais de homossexuais. “Tem gente que consegue resolver seus grilos conversando com um amigo. Não precisa fazer análise. Mas, nesse caso, um terapeuta gay pode nos deixar mais à vontade para abrir o jogo”, pensa.

Terapeutas heteros também estão aptos a tratar de homossexuais. No entanto, algumas vezes cometem equívocos e demonstram preconceitos. Tanto é que em 1999 o Conselho Federal de Psicologia baixou uma resolução que proíbe profissionais de considerar homossexualidade uma doença, forçar procedimentos de alteração da personalidade e valorizar a heterossexualidade. “Mesmo depois dessa norma, houve denúncias de pacientes que se sentiram desrespeitados”, diz a psicóloga paulista Ana Bock, presidente do Conselho Regional de Psicologia. “Uma lésbica relatou que foi aconselhada pelo analista a usar brincos e colares para resgatar a sua feminilidade”, conta ela.

Talvez alguns especialistas sintam dificuldade em tratar do assunto por desconhecer o universo homossexual. “O preconceito levou os gays a criar hábitos escondidos, a satisfazer seu desejo afetivo e sexual em quartos escuros de boates”, avalia o terapeuta corporal Sérgio Savian. Ele acaba de inaugurar a Namoro GLS, a primeira agência de encontros especializada no público homossexual. “Muitos gays não se adaptam aos ícones eróticos da noite GLS. São tímidos e sentem dificuldades em estabelecer relacionamentos sérios”, diz.

Também os familiares de homossexuais não sabem como lidar com a situação e, com frequência, sentem falta de alguém com quem conversar. Nos Estados Unidos, foi organizado, em 1973, o PFLAG (Pais, familiares e amigos de lésbicas e gays) com o objetivo de oferecer suporte educacional, jurídico e psicológico à comunidade. O grupo conta hoje com 80 mil afiliados e tem sede em Washington. Em São Paulo, um grupo de mães de gays também resolveu se reunir para discutir sexualidade e esclarecer dúvidas. Por enquanto, apenas Edith, Clarice e Maria, que preferem não divulgar o sobrenome e não aceitam fazer fotos, integram o grupo pioneiro. “Quando meu filho me contou, eu chorava todos os dias. Até do meu marido guardei segredo. Como gostaria de dividir essa angústia”, lembra Edith, idealizadora do projeto, que se dedica a responder os longos e-mails das mães que lhe procuram. O medo de sofrer retaliações profissionais ou ver os filhos em maus lençóis fez com que elas solicitassem a ISTOÉ a assinatura de um contrato para garantir sigilo. “O preconceito é muito grande. Até meu filho, quando era adolescente, botou na cabeça que aquilo era uma doença e fez de tudo para se curar, apesar de a psicóloga dizer que não tinha nada a ver com doença. Culpa do desconhecimento da sociedade e da mídia”, diz.