Na casa de Paulo Coelho, nos Pireneus franceses, fronteira com a Espanha, há um dispositivo de ultra-som no jardim que emite um ruído desagradável para as toupeiras. O som reverbera dentro da terra e faz com que o bicho se afaste. Assim, de maneira polida, ele mantém a distância o que não é bem-vindo. Por outro lado, os portões do jardim ficam escancarados para receber amigos, fãs, leitores. Como o paradoxo do amor e ódio faz parte da carreira de Coelho – um dos autores mais vendidos do mundo e, também, vigorosamente rejeitado –, a “estratégia da toupeira” se repete na vida. Aos leitores, tudo. Aos detratores, distância. Mas seu novo livro, O Zahir, que chega às livrarias nesta segunda-feira 21 – antecipando o lançamento oficial em 12 dias –, revela certa mágoa com a crítica literária e com “quem não leu e não gostou” de seus trabalhos. A obra, na qual cria um protagonista baseado em si próprio, fala de um casamento em crise e defende relações extraconjugais, além de incluir guerras, um misterioso desaparecimento e, óbvio, espiritualidade.

A tiragem inicial de O Zahir é de oito milhões de exemplares em 42 línguas e 83 países. O lançamento mundial será no Irã, 48 horas antes do Brasil, onde a primeira edição será de 320 mil livros, recorde nacional. Os números superlativos são constantes em sua trajetória: o autor conta que brevemente estará em seu site a apuração atualizada e comprovada da venda de sua obra mundo afora: 65 milhões de livros. Somente O alquimista é “responsável por quase 27 milhões”, garante. “Fui o escritor mais vendido em 2003. Não
fui em 2004 porque não lancei livro nenhum, mas também seria difícil porque O código Da Vinci veio pegando pesado”, diz. O Zahir tem estofo para ser o arrasa-quarteirão da vez.

O título foi tirado de um conto homônimo do livro O Aleph, do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Zahir tem origem na tradição islâmica e, em árabe, quer dizer visível, presente, aquele ou aquilo que não se esquece. Na trama de Coelho, Zahir é Esther, a mulher do protagonista, a quem ele ama e com a qual vive uma crise matrimonial. Ela é uma jornalista correspondente de guerra, porta pela qual entram em cena os conflitos étnicos, políticos e religiosos que mobilizam o mundo. Parte da história se passa no Cazaquistão, país tolerante com várias religiões. Paris é constantemente revisitada pelos personagens. E o atrativo mais importante, a marca de Paulo Coelho: provérbios, lendas, mitos, espíritos, vozes do além, ensinamentos, maktub.

No prumo – Na vida real, Coelho, 59 anos, diz que seu Zahir é a própria mulher, a artista plástica Christina Oiticica – seu quarto casamento, que dura 25 anos. O escritor afirma que as leis que regem sua relação com a mulher são diferentes das que prega seu alter ego da ficção. Segundo o autor, os casos extraconjugais ficaram restritos aos primeiros anos de casamento, mas no livro dá a entender que não é bem assim. “Não, não. Eu não sou nenhum santo, mas não”, rechaça. Um dos supostos romances, segundo a mídia, foi com a ex-Miss Universo Cecília Bolocco, mulher do ex-presidente argentino Carlos Menem. “Vê se pode!”, exclama. Christina esclarece: “No nosso casamento não tem espaço para casos.” A preocupação de ambos é “evitar a tentação de virar móveis e utensílios na relação”, como ele diz. E Coelho derrama seu amor: “Se algum dia ela me deixar, tenho a impressão de que perderia o prumo por completo.” Para Christina, “importante é ter um marido que me ame e que eu ame. O resto é ficção.” Exposição por exposição, ela prefere a de seus quadros, que costuma enterrar em várias partes do mundo para sofrer a intervenção da natureza.

Crítica – Não é a primeira vez que Coelho fala de sua vida íntima publicamente. Na biografia Confissões de um peregrino, escrita pelo jornalista espanhol Juan Arias, ele admite ter tido experiências homossexuais. “Mas isso foi com 18 anos, por curiosidade sexual”, explica. Já a relação com a imprensa não é tão facilmente digerida. “Sou amado pelos leitores, odiado pela crítica”, diz o protagonista de O Zahir, um escritor bem-sucedido, repetindo frase de Coelho. “Não acontece só comigo, acontece
com qualquer pessoa que faz sucesso na sua terra”, acredita. “Se você não está absolutamente convencido do que
está fazendo e leva um pau da crítica, corre o risco de mudar para agradar
e trair a si próprio. Não há nada de
errado em agradar aos outros, mas
não se pode abrir mão da integridade
do trabalho”, completa.

No ranking da rejeição, a França, ou melhor, a intelectualidade francesa, tem aparecido no topo. “Os editores já insinuaram que pode vir uma reação até agressiva. Eu poderia ter feito pequenas mudanças para agradar, mas não
quis e agora vou me preparar para a porrada”, afirma. Coelho conta que algumas
editoras, como a espanhola Planeta, mantêm um “comitê de crise” para gerenciar eventuais rejeições. “Achavam que eu estava me arriscando muito ao falar de prostituição em Onze minutos. Berta Noll gerenciava esse comitê da Planeta.
” Nem de longe o escritor admite mudar o conteúdo de seus livros: “Eu sou eu, não posso deixar de ser. O que tem mantido minha sanidade mental e espiritual é continuar a ser eu mesmo.”