No início de outubro, uma bomba caiu na mesa do ministro da Previdência, Roberto Brant. Três auditores da Secretaria Federal de Controle Interno – o xerife das contas do Executivo – produziram um minucioso relatório de 70 páginas, ao qual ISTOÉ teve acesso, que mostra dezenas de irregularidades em um dos mais gordos negócios do governo: os contratos de aluguel e manutenção do parque de informática da Dataprev, a estatal da Previdência responsável pelo processamento de todas as aposentadorias do País, entre outras tarefas. São três contratos firmados sem licitação com prazo de quatro anos que renderão à multinacional Unisys R$ 180 milhões até o final de 2003. Os auditores chegaram a algumas conclusões aterradoras. Ao comparar os preços pagos pela Dataprev com os de outros órgãos públicos, encontraram um superfaturamento de pelo menos R$ 100 milhões. Os preços são tão descabidos que os técnicos fizeram até alguns exercícios numéricos como ilustração. “Só o gasto com a locação de equipamentos da Dataprev seria suficiente para comprar o parque tecnológico do Banco do Brasil e do Serpro (a empresa que processa os dados da administração direta), com capacidade 12 vezes maior que o da Dataprev”, exemplificam os três auditores.

Não é só. A Dataprev reembolsou à Unisys despesas sem comprovação, parte do aluguel deveria ter sido contratado depois de licitação pública e a direção da estatal fez corpo mole para apurar os problemas apontados nos contratos, levantados há pelo menos um ano. O parque de informática da Dataprev está entre os cinco maiores do setor público. Concentrado no Rio de Janeiro e em São Paulo, é formado por dez computadores de médio e grande porte além de centenas de micros espalhados pelos postos de atendimento e departamentos da Previdência Social em todo o País. Roda mensalmente a folha de pagamento de 19 milhões de aposentados e pensionistas, processa 7,5 milhões de contribuições e armazena o cadastro de 160 milhões de trabalhadores. Mas, além de gigantesca e cara, os técnicos concluíram também que a rede previdenciária está subutilizada e defasada.

A parceria da Dataprev com a Unisys começou há quase 30 anos, quando a informatização no setor público era incipiente. Mas a maior parte dos absurdos descobertos pelos técnicos aconteceu de 1999 para cá, a partir das administrações do ex-ministro da Previdência Waldeck Ornelas e de Ramon Barros Barreto, que ocupa a presidência da Dataprev até hoje. Ao tomar posse, Brant chegou a substituir parte da diretoria da estatal, mas preservou Barreto. Em 1999, os mais de dez contratos já existentes com a Unisys foram refeitos e aglutinados em três. Segundo a auditoria, a empresa negociou mal a unificação. Relatórios internos já apontavam indícios de que os preços estavam acima do mercado, mas foram mantidos. Em vez de remanejar computadores entre as centrais de São Paulo e Rio de Janeiro, a estatal preferiu devolver à Unisys uma das máquinas grandes e mais avançadas, mantendo outras mais velhas. Com isso, perdeu a chance de economizar R$ 50 milhões. Jogou mais R$ 3 milhões no ralo ao não cobrar a devolução dos custos de importação do computador, incluídos no contrato de aluguel (outra ilegalidade encontrada pela auditoria). A multinacional ficou com o dinheiro e ainda alugou a máquina para outro cliente. Além de cobradas ilegalmente, as despesas com impostos e frete na importação dos computadores não foram comprovadas direito. Dos R$ 12 milhões reembolsados à Unisys nos últimos dois anos, R$ 5,2 milhões estão irregulares. Datas e valores não coincidem, levando a auditoria a suspeitar que a multinacional apresentou documentos referentes a outros equipamentos. Em alguns casos, os comprovantes nem sequer existem, mas, ainda assim, a Dataprev pagou os custos. Os auditores acharam outra mamata nos contratos: R$ 20 milhões destinados à manutenção dos computadores e softwares alugados, mesmo no caso de máquinas novas.

A avaliação dos auditores foi rigorosa e contundente e sobram razões para isso. Apesar de todos os indícios de irregularidades, uma comissão de inquérito montada pela Dataprev no início de 2001 surpeendentemente não achou nada errado nos contratos. “Fica patente que o objetivo foi contestar os fatos apurados”, atacam os fiscais da secretaria, completando que a comissão “passou a defensora, não da Dataprev, mas da Unisys”. No último dia 20 de setembro, o ministro Roberto Brant montou um novo grupo, composto exclusivamente por funcionários do Ministério, para apurar os problemas e definir os responsáveis. Foi uma exigência da Secretaria Federal de Controle, que cobrou “transparência e isenção” nas investigações.

Cliente cativo – O fato de a Unisys ser prestadora de serviços cativa da Dataprev há tanto tempo e sem licitações mereceu uma extensa análise dos auditores. Por décadas, órgãos públicos se mantiveram dependentes de soluções e produtos de empresas de informática específicas. Mas a evolução tecnológica dos últimos anos fez o governo diversificar seus sistemas, numa tentativa de sair da armadilha. Menos a Dataprev, que, de tão lenta na modernização, parece ter cultivado a dependência. Permanece, segundo o relatório, amarrada a “uma plataforma tecnológica defasada, fechada e concentrada em um único fornecedor”. Pior. Na desculpa da dispensa de licitação, acabou entrando o aluguel de centenas de discos, fitas, micros e scanners. São equipamentos produzidos por dezenas de fabricantes sob selvagem concorrência. Procurado, o Ministério da Previdência não quis comentar o caso, afirmando apenas que está cumprindo todas as determinações da auditoria. Mas as conseqüências do relatório-bomba não vão ficar confinadas à burocracia. O Ministério Público Federal já está investigando as irregularidades.