Desde que, há mais de 150 anos, Dom Pedro II assinou o decreto que autorizou as classes populares a poupar seu dinheiro na Caixa Econômica Federal em troca de uma pequena remuneração fixa, a poupança se consolidou como o investimento preferido dos brasileiros. Em um século e meio, ela superou inúmeras crises econômicas (no final da década de 80, diante da brutal inflação, a correção monetária chegou a ser diária em vez de mensal) e ajudou milhões de pessoas a realizar sonhos. Agora, a caderneta está novamente diante de um enorme desafio. Com a taxa de juros nas alturas (13,75% ao ano) e a inflação em avanço constante (acima de 8%), a poupança vem sofrendo uma forte debandada. Em maio, os investidores retiraram R$ 3,199 bilhões a mais do que depositaram – foi o quinto mês seguido de saldo negativo. Trata-se do pior resultado para maio em 12 anos. No acumulado dos cinco primeiros meses de 2015, a saída líquida da aplicação (retiradas menos depósitos) foi de R$ 32,28 bilhões.

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CRISE
Para o ministro Joaquim Levy, o Brasil precisa se "reequilibrar"

A crise econômica está no centro das dificuldades da caderneta. O País não cresce e parou de gerar empregos. Com os preços em disparada, as famílias se endividaram. Quem tem algum dinheiro na poupança recorre às reservas para pagar o cartão de crédito, fazer compras no supermercado, passar o mês. Mas esse é apenas um dos fatores. Como a taxa de juros está alta demais, não faz sentido aplicar na caderneta, que se tornou, de longe, o pior dos investimentos. Atualmente, o seu rendimento está fixado em 0,5% ao mês mais o valor da Taxa Referencial (TR). Basta fazer uma rápida comparação para descobrir que ela não vale mais a pena. Nos últimos 12 meses, a poupança rendeu 6,93%. Para um CDB tradicional, o retorno foi de 9,84%. Os fundos DI tiveram vantagem ainda maior, com rentabilidade de 10,20%. Quem venceu foi o Tesouro referenciado pela Selic, que pagou 10,73% aos clientes.

“As pessoas com mais informação financeira acabam migrando para novas formas de investimento”, diz o coordenador do Laboratório de Finanças do Insper, Michael Viriato. O gestor de atendimento internacional Rodrigo Medina trocou a tradicional aplicação por fundos com rentabilidade diária. Medina tinha R$ 27 mil na poupança. “Resolvi diversificar para ter um ganho maior”, afirma. “Normalmente, quem prefere a poupança não é investidor profissional”, diz a consultora de finanças pessoais e professora de MBA da Fundação Getúlio Vargas, Myrian Lund. “São pessoas conservadoras e que guardam pouco dinheiro.” O publicitário Victor Ruiz, de 24 anos, se encaixa nesse perfil. Ele mantinha uma caderneta há dois anos e meio. Desempregado e com as contas acumulando, precisou sacar tudo o que havia poupado. “Era melhor tirar o dinheiro do banco a ter meu nome sujo na praça”, afirma

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Mesmo com a saída de um contingente enorme de investidores, a força da poupança é espantosa. Uma pesquisa realizada pela Fecomércio RJ/Ipsos revelou que 85,8% (quase nove em cada dez) brasileiros que tem dinheiro aplicado recorrem à caderneta como principal investimento. O papel dela é vital para o desenvolvimento do País. São os recursos depositados na caderneta que financiam uma boa parte do crédito imobiliário. Com a poupança em baixa, menos pessoas terão a oportunidade de comprar a casa própria. Em maio, a Caixa Econômica Federal anunciou um corte de R$ 30 bilhões dos recursos disponíveis para esse tipo de empréstimo.

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Para os especialistas, a situação da caderneta só vai melhor quando a economia brasileira tiver um respiro. O problema é que os indicadores continuam de mal a pior. Segundo pesquisa feita com mais de 100 instituições financeiras e divulgada na segunda-feira 15 pelo Banco Central, a previsão para a inflação de 2015 subiu de 8,46% para 8,79%. Para o PIB, a perspectiva de retração no ano é de 1,35%. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reforçou o velho discurso de que, sem o ajuste fiscal, a economia continuará fora de eixo. “O ajuste fiscal é necessário para o Brasil se reequilibrar”, disse Levy. Só assim investimentos centenários como a poupança vão retomar a atenção dos brasileiros.

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