Depois de passar quatro anos viajando por Brasil e França, uma das maiores obras de arte brasileiras, o monumental “Guerra e Paz”, do pintor paulista Candido Portinari (1903-1962), está sendo mantida longe dos olhos do público. Há sete meses, os dois painéis de quatorze metros de altura e dez metros de largura que compõem a obra estão cobertos por cortinas na entrada da sala da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, lar original das pinturas desde 1957. O motivo de “Guerra e Paz” estar escondido até agora é a falta de patrocínio para a realização de uma cerimônia de reabertura, planejada por João Candido Portinari, filho do artista. “A ONU queria mostrar os painéis imediatamente, mas eu sugeri que nós realizássemos uma celebração digna do papel do Brasil como país de cultura da paz”, disse João Candido à ISTOÉ. “Porém está sendo muito difícil captar os recursos necessários para esse projeto”, diz.

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Segundo o escritor, que comanda a Fundação Portinari, responsável pela manutenção do acervo do artista plástico, o orçamento total para o projeto de reinauguração de “Guerra e Paz” chegava a R$ 6,5 milhões. Esse valor incluiria intervenções artísticas que seriam realizadas em pontos turísticos da cidade de Nova York, como o Central Park e a Times Square, o desenvolvimento de um aplicativo para que o público pudesse interagir com as peças e a cerimônia de abertura em si, um show espetáculo para duas mil pessoas, com direção da brasileira Bia Lessa, a ser realizado na Assembleia Geral da ONU. A Fundação Portinari conseguiu junto ao Ministério da Cultura uma autorização para captar R$ 4,3 milhões por meio da Lei Rouanet. “Mas não conseguimos levantar nem um quarto desse valor ainda”, diz João Candido. “E com a proximidade da data de reabertura tivemos que mudar nossos planos. Abandonamos a ideia das intervenções artísticas e do aplicativo e vamos tentar realizar apenas o show.”

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A reinauguração dos painéis de Portinari já foi adiada três vezes. A primeira data estava marcada para março de 2015, mas foi remanejada devido à falta de recursos para a realização da cerimônia. A ONU, então, definiu 26 de maio como o dia da retirada das cortinas, mas foi adiado mais uma vez, a pedido de João Candido. Agora, o prazo para a reabertura de “Guerra e Paz” é 8 de setembro, sem chance de um novo adiamento – o evento foi incluído no calendário oficial de comemoração dos 70 anos da instituição. “A ONU nos deu um dia fantástico, próximo ao início da Assembleia Geral, da agenda do milênio e da visita do papa Francisco”, diz Candido. “Mas o prazo está nos asfixiando.”
Sem as ações planejadas por Nova York, o custo total da cerimônia de reinauguração cai para R$ 2,5 milhões, mas o valor captado pela Fundação Portinari não cobre essa despesa. Por enquanto, apenas duas empresas estão apoiando o projeto. “Recebi respostas negativas de grandes bancos e companhias. E o governo está com uma agenda de crise, sem espaço para uma agenda positiva”, diz Candido. Caso a Fundação não consiga captar os recursos necessários para o espetáculo, que promete mostrar o anseio pela paz dos primórdios da humanidade até hoje, o escritor afirma que colocará em ação o “plano M, de melancolia”: a retirada das cortinas com uma pequena cerimônia sem destaque ou repercussão, algo lamentável na visão do herdeiro de Portinari. “A primeira inauguração da obra também foi muito simples e não contou com a presença do meu pai, impedido de entrar nos Estados Unidos por ser considerado comunista”, diz. 

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ESCONDIDOS
Painéis seguem sob cortinas na entrada da Assembleia Geral, na ONU

Pintados entre 1952 e 1956, os painéis de “Guerra e Paz” foram doados à ONU em 1957, onde permaneceram por 52 anos. Em 2009, uma reforma na sede das Nações Unidas obrigou que as obras fossem retiradas do local. A partir dessa exigência, João Candido teve a ideia de trazer as pinturas ao Brasil, onde elas só haviam sido exibidas uma única vez, por apenas duas semanas, em 1956, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. De 2010 a 2014, a obra esteve no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e marcou presença também no consagrado Salão de Honra do Grand Palais, de Paris. Além disso, passou por um minucioso processo de restauro, que pôde ser acompanhado ao vivo pelo público. Agora, João Candido espera que a iniciativa privada reconheça a importância de seu projeto. “Que prioridade essa reinauguração tem para o Brasil? Cada um terá a sua opinião. Mas, para mim, seria uma vergonha não conseguir realizar essa cerimônia tão importante para a imagem do País”, diz.

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