Antes de cair nas graças de uma multinacional do disco e de ser descoberta pelo cinema, a cantora e atriz Negra Li cruzou com Caetano Veloso nos corredores de uma gravadora. Olhou para ele, mas o seu nervosimo de tiete só lhe deixou soltar duas palavras: “Da hora!” Cinco anos se passaram e hoje ela diz: “Deve ter me achado um bicho-do-mato.” Cinco anos se passaram, e hoje lá está Caetano fazendo uma participação na faixa Meus telefonemas, a melhor música do álbum Negra livre, primeiro trabalho solo de Negra Li. Cinco anos se passaram, e hoje Negra Li estréia como atriz no filme Antonia. Nascida e criada na Vila Brasilândia, um dos bairros mais violentos da periferia paulistana, a ex-backing vocal da banda de rap RZO não usa mais as gírias dos manos. Ela não tem preconceitos nem renega o passado, mas admite que não é mais a mesma pessoa de antigamente. “Tenho muito orgulho das minhas raízes. Sempre serei a mina do rap, mas quero expandir meus conhecimentos”, diz Negra Li, apelido artístico de Liliane Carvalho, 27 anos. “Tem gente que diz que fiquei metida, que me vendi ao sistema porque me comunico e me visto melhor. Mas isso não é verdade.”

Na época do RZO, o seu discurso era outro e os raps que saíam de sua boca se mostravam extremamente combativos na crítica social. Também o seu visual era bem diferente: para garantir o respeito no mundo dos rappers, dominado pelos homens, Negra Li, então com 17 anos, adotou um jeito masculinizado de se vestir. “Eu pegava emprestadas as calças e as camisetas largas dos meus irmãos mais velhos, usava boné e tênis”, diz ela. Agora, abusa das jóias, dos decotes e capricha no visual inspirado na americana Beyoncé. As músicas também mudaram, ela diz que quer cantar “tão bonito quanto Elis e Leny Andrade”. Apesar do ritmo ainda ser o hip-hop, a interpretação está mais para Marisa Monte (que inclusive integra a faixa Você vai estar na mira).

Se Negra Li está cada vez menos “rapper” na vida real, o contrário acontece na ficção. Em Antonia (de Tata Amaral) ela interpreta Preta, uma jovem frentista que vive numa região carente e faz parte de um grupo de garotas que canta somente rap.
“Negra Li é uma força na tela. É dedicada, espontânea, criativa. Tenho certeza de que descobri uma ótima atriz”, diz a cineasta. O filme deu origem à minissérie de cinco episódios produzidos pela O2 Filmes, de Fernando Meirelles. Segundo a própria Negra Li, interpretar Preta foi fácil, já que ela sentiu na pele todas as vicissitudes de quem vive em bairro pobre e violento: “Eu me acostumei com o barulho das balas. Eu e minha turma tínhamos um esquema de lugares para nos esconder quando começava um tiroteio.” Ela sabe o que está falando: a sua mãe, que a levava aos cultos evangélicos, criou cinco filhos com salário de professora. Negra Li também sabe que subir na vida (hoje ela mora em bairro paulistano de classe média alta) é muito bom – sobretudo quando se faz o que se gosta. Cinco anos se passaram, e hoje é ela quem está “Da hora!”