O presidente americano Harry Truman costumava dizer que, se um dia tivesse um filho, queria que ele fosse como o ator James Stewart (1908-1997) – famoso por grandes atuações em clássicos como A felicidade não se compra, A mulher faz o homem e O homem que sabia demais. O presidente democrata sabia do alcance de sua afirmação: não havia em Hollywood, e não houve até o aparecimento de Tom Hanks, nenhum ator com melhor imagem de pureza e honestidade como James Stewart. Patriota ao extremo, ele interrompeu a carreira para lutar como aviador na Segunda Guerra e voltou do front como herói. Mulherengo que era, se tornou um convicto monogâmico após se casar com a socialite Gloria Stewart e nunca mais foi visto na companhia de nenhuma outra mulher. Assim, diante desse anjo de candura e exemplo de bom-mocismo, é no mínimo surpreendente o livro Jimmy Stewart – the truth behind the legend, de autoria do ator e diretor teatral inglês Michael Munn e que acaba de ser lançado nos EUA. O livro mostra que James Stewart era racista e delator, tendo colaborado por livre e espontânea vontade com a caça às bruxas (entenda-se caça aos comunistas) promovida pelo macartismo depois da guerra. Stewart, segundo o autor, foi informante direto do temido diretor do FBI J. Edgar Hoover, que via em Hollywood comunistas escondidos até em recheios de bolos.

Segundo Munn, a queda de Stewart para a delação “nasceu com bons propósitos” (se é que há propósito saudável num delator): o seu ideal era o de barrar a ascensão do crime organizado em Hollywood. O problema começou quando ele tirou de seu alvo gângsteres como Johnny Stompanato, Bugsy Seagal e Lucky Luciano e passou a mirar em atores, roteiristas e diretores esquerdistas. No capítulo 13 dessa biografia de 320 páginas, a mulher de Stewart, Gloria, declara: “Jim subiu a montanha descalço e viu um arbusto em chamas. Só que Deus chamava-se J. Edgar Hoover.” As atividades do ator como informante do FBI começaram em 1947 e lhe custaram, inclusive, a perda da amizade de Henry Fonda – eles eram inseparáveis desde a juventude e chegaram a morar juntos numa fazenda em Hollywood.

O texto de Munn ganha força pelo equilíbrio e riqueza de informação. Longe de escrever um livro sensacionalista e apaixonado, o autor pondera diante de diversas situações e até tenta limpar a barra de Stewart quando diz que ele teria sido usado por Hoover. E ameniza o seu envolvimento com a deduragem afirmando que teria delatado apenas os comunistas mais notórios e nunca falava diretamente como o FBI – se valia do ator e futuro presidente americano Ronald Reagan como garoto de recados para a entrega de seus dossiês. Na mesma linha de raciocínio, o autor especula que a escolha de Stewart para fazer o papel de um agente do FBI em The FBI story (1959), de Mervin LeRoy, teria sido uma retribuição de Hoover aos favores que ele prestou com tanto zelo ao birô de investigação. Como se sabe, Hoover interferiu em tudo nesse filme: escolheu elenco, palpitou no roteiro e cortou cenas. O papel de Stewart caiu-lhe como uma luva e, inabalável em suas convicções, o ator não se cansava de repetir que “admirava o trabalho do FBI” e lamentava “não ter entrado para a polícia”. O FBI, de fato, investigava tudo e todos, e Hoover não poupou sequer o seu próprio informante: também a vida de James Stewart foi vasculhada devido à boataria de seu suposto envolvimento homossexual com Henry Fonda. Finalmente, o livro revela que Hoover era mesmo um gay enrustido e por isso nunca investiu em suas investigações contra o chefão da máfia Lucky Luciano. Motivo: o mafioso o chantageava com uma foto, na qual Hoover aparecia vestido de mulher – o traje era de chiffon e preto. A origem dessa foto é ainda mais reveladora: ela pertenceria ao advogado Roy Cohn, por sua vez o braço direito do senador Joseph McCarthy, o mandante-mor da caça às bruxas e inspirador do macartismo ao qual James Stewart se dedicou de corpo e alma.