O ex-secretário de Defesa William Cohen elogia o papel do Brasil na reação aos atentados terroristas e chega ao País para promover a Alca

Quando o ex-presidente democrata Bill Clinton escolheu o republicano William S. Cohen para ser o 20º secretário de Defesa dos Estados Unidos, em 1996, pouca gente se surpreendeu. Cohen, na época senador pelo Estado do Maine, onde nasceu, era considerado um dos pensadores mais independentes do Congresso. Logo no início de carreira, por exemplo, ele rompeu com a linha partidária e votou pelo impeachment do ex-presidente Richard Nixon, em 1974. Depois, nos anos 80, durante o governo Ronald Reagan, novamente o senador entrou na contra mão da via republicana ao criticar duramente o presidente no episódio Irã-Contras – manobra complicada e ilegal patrocinada pela Casa Branca para vender armas aos inimigos de Teerã e repassar o dinheiro assim obtido para os “contras”, a guerrilha anti-sandinista da Nicarágua. Ao assumir o posto no Departamento de Defesa, em janeiro de 1997, Cohen levou na bagagem mais de 25 anos de “expertise” comprovada nas áreas de inteligência e defesa – temas das comissões parlamentares de que fez parte.

Também não é de estranhar que agora, quando um presidente republicano novamente ocupa a Casa Branca, Cohen, aos 59 anos, tenha sido convocado para contribuir na guerra que Washington move contra o terrorismo. Do Salão Oval, onde trabalha o presidente George W. Bush, aos corredores do Pentágono – que o ex-secretário conhece tão bem –, sua presença tem sido notada constantemente entre aqueles que mergulham na dramática crise criada pelos ataques terroristas de 11 de setembro. Paralelamente às suas funções extra-oficiais no governo, Cohen também acelera suas atividades na área privada. Ao deixar a Secretaria de Defesa, em janeiro deste ano, ele montou a empresa Cohen Group, que presta consultoria de negócios a países latino-americanos, antecipando soluções para a criação de um mercado comum que vá desde o Alasca até a Terra do Fogo, na Argentina. Um dos primeiros passos nessa jornada foi sua aceitação em participar do board de diretores do banco brasileiro Brasilinvest. E é também nessa condição que Willian Cohen chega ao país neste domingo 21 para conversar com o presidente Fernando Henrique Cardoso e ainda falar na conferência do Fórum das Américas que se realiza nesta semana em São Paulo. Mas, antes, o ex-secretário da Defesa americano falou com exclusividade a ISTOÉ em Nova York sobre economia, política e os choques provocados pelos atentados terroristas a seu país no dia 11 de setembro.

ISTOÉ

Muita gente ao redor do mundo não concorda com a convocação americana para a guerra contra o terrorismo. Por que países como o Brasil deveriam pular nesta trincheira?

William Cohen

Quando os Estados Unidos são feridos, o mundo sangra. Ou seja: quando temos uma queda em nossa economia – e antes de 11 de setembro essa tendência de queda já se fazia sentir – o impacto ao redor do mundo é enorme. Sofrem setores econômicos internacionais como o turismo, o comércio, enfim, áreas importantes das economias de outros países. E agora temos vimos os efeitos econômicos dilacerantes que os ataques de 11 de setembro causaram e ainda vão causar no mundo. Como os empregos que foram perdidos, resultado dos ataques. Os consumidores americanos estão fechando as carteiras, com medo do futuro, e isso esvazia o mercado para produtos de outros países. Artigos fabricados no Brasil ou em outras nações não têm mais a mesma saída, o que prejudica também a economia de cada uma dessas sociedades. Também é importante que os outros países entendam que este não foi somente um ataque contra os Estados Unidos. Não se tratou de um ataque isolado contra as torres do comércio americano. Foi um ataque contra as torres do comércio mundial. Muitos países estavam representados por seus cidadãos naqueles prédios do World Trade Center. Muitos países também sofreram grandes perdas de vidas humanas. Este, portanto, foi realmente um ataque contra sociedades livres e abertas, por gente vinda de setores fanáticos. Estes extremistas islâmicos estão usando as liberdades de sociedades abertas para destruir esses conceitos. Assim, todos os países têm algo a perder nesta guerra. É por isso que fiquei muito satisfeito com a reação de liderança do governo brasileiro.

ISTOÉ

Qual é o propósito desta sua visita ao Brasil?

William Cohen

 Estive em Manaus um ano atrás para o encontro dos ministros da Defesa das Américas. O propósito daquela minha visita era fazer um trabalho conjunto para aprofundar a democracia, a estabilidade e a prosperidade na região. Infelizmente só pude ficar um período de tempo muito curto, pois tive de voltar quase imediatamente para comparecer à solenidade de retorno dos corpos dos militares mortos no ataque ao destróier USS Cole. De qualquer modo, o processo que saiu daquele encontro de Manaus se ancora na premissa simples de que as 34 democracias das Américas, da fronteira norte do Canadá à Terra do Fogo, tem de trabalhar em conjunto nas questões transnacionais. Questões como terrorismo, desastres nacionais, combate aos tráficos de armas e narcóticos. Este era o motivo naquela viagem e também na minha ida de agora, as mesmas premissas são particularmente relevantes, especialmente depois dos eventos de 11 de setembro. Além disso, também atendo a negócios da área privada. Minha visita agora ao Brasil, a maior democracia entre os países em desenvolvimento, portanto, tem dois objetivos especiais. Retomar com as autoridades do governo e líderes empresariais as conversas que iniciamos em Manaus e discutir as maneiras de promover oportunidades e desenvolvimento econômico entre a região e os Estados Unidos.

ISTOÉ

E depois de Manaus, houve algum progresso prático nas áreas que o sr. menciona?

William Cohen

Eu realmente fiquei muito sensibilizado com a cooperação do Brasil diante dos atentados sofridos pelos Estados Unidos. O Brasil assumiu liderança ao evocar a cláusula de segurança do Tratado de Assistência Recíproca (Tiar), o tratado do Rio. Os serviços de inteligência brasileiros estão investigando as atividades nas fronteiras, o Banco Central investiga as manobras monetárias que resultam nos envios de recursos financeiros para a Al-Qaeda. Tudo isso é um demonstração clara dos resultados práticos positivos. Também gostaria de mencionar que minha visita de agora é estimulada pelo fato de eu ter recentemente assumido posição no board de diretores da empresa brasileira Brasilinvest.

ISTOÉ

Já que o sr. mencionou esse aspecto, qual o motivo dessa sua entrada no board de uma empresa brasileira e quais são suas atividades na área privada?

William Cohen

 Depois de eu ter saído do Pentágono, estabeleci uma empresa de consultoria de negócios internacionais, chamada Cohen Group. O propósito da empresa é ajudar a promover investimentos estrangeiros no Brasil e em toda América Latina. Em consequência disso, era natural eu ter me juntado ao board do Brasilinvest.

ISTOÉ

O sr. também vai participar da conferência do Fórum das Américas, em São Paulo. Qual será o tema de sua palestra?

William Cohen

 Vou falar sobre as oportunidades e riscos de um mercado comum das Américas (Alca) e também das implicações político-econômicas desses ataques de 11 de setembro. Quero apresentar idéias de como melhorar nossas economias para torná-las interdependentes. Além disso, como ex-secretário de Defesa, vou falar sobre as possibilidades de melhorar a defesa das Américas através da cooperação militar.

ISTOÉ

Na sua opinião, qual será o próximo passo nesta guerra ao terror? Especificamente: depois que as bombas caíram no Afeganistão e os alvos foram sumindo, qual será a estratégia?

William Cohen

 As bombas foram utilizadas para reduzir ou eliminar a capacidade de reação aérea do Taleban e obliterar suas defesas. Também foram atingidos depósitos de munição e armamentos. O próximo passo, acredito, será mais atividades de forças especiais, como a Delta Force e os Rangers, por exemplo. Eles irão atrás das forças terrestres do Taleban. Dessa forma, os caminhos para os ataques das forças de oposição ao regime ficam desobstruídos. E acredito que vamos ver a força desses grupos de oposição contra o regime, que forçará o Taleban a reconhecer que, para sobreviver, terá de concordar com as exigências do presidente Bush, entregar Osama Bin Laden e desistir de manter campos de treinamentos para terroristas. Outro passo importante será o esforço para eliminar o comércio de ópio na região. A heroína que vem do Afeganistão será um dos alvos desta próxima etapa de ofensivas. Sabe-se que as vendas de drogas dão apoio financeiro aos terroristas. E as ações, certamente, irão além desses tópicos: já existem ações firmes para acabar com o fluxo financeiro que utiliza empresas e sociedades de fachada para encaminhar capital para o terror. E os países que têm tolerado atividades terroristas devem ser forçados a prender os membros dessas organizações. É preciso cortar os tentáculos do terror que se espalham por tantos países.

ISTOÉ

Durante o seu mandato no Departamento de Defesa, o governo americano tentou prender ou eliminar Osama Bin Laden. Ele se provou um alvo difícil. O sr. acredita que é possível agarrá-lo agora?

William Cohen

 Acho que as chances existem. Mas gostaria de alertar que Osama Bin Laden é apenas um indivíduo – a figura mais proeminente – e que no momento recebe nosso foco. Mas neutralizá-lo não implicará o fim da guerra contra o terrorismo. Acho que o presidente Bush deixou bem claro que esta será uma campanha de longa duração. Existem várias organizações pelo mundo que operam independentemente. Algumas agem de modo interdependente, mas existem várias formas de terrorismo e várias organizações para implementá-las. De todo modo, acredito que Osama Bin Laden será capturado. Acho que o Taleban, ou a Aliança do Norte, ou outro grupo, em certo momento vai acabar entregando Osama.

ISTOÉ

O sr. não acha que essa guerra prolongada corre o risco de se transformar na mesma história sem fim da chamada guerra às drogas?

William Cohen

 Bem, essa guerra contra o terror será uma campanha muito difícil de dizermos com certeza quando ela finalmente acabará. No fim, essa luta vai exigir que o mundo civilizado continue a vigilância contra grupos ou indivíduos terroristas. Também exigirá que os países que acobertam essas figuras comecem a construir instituições que obedeçam as regras da lei, espalhem os benefícios da democracia e incentivem a prosperidade de todos os seus cidadãos. Sempre que vários setores são marginalizados numa sociedade, com gente vivendo na miséria, sem esperança, também se terá o terreno fértil para que germinem futuros terroristas. Assim, acho que o futuro vai exigir grande esforço em vários níveis de atuação. Basicamente, temos de eliminar cada vez mais os aspectos violentos desta guerra e depois promover o império da lei, da transparência e da justiça nas sociedades de todo o mundo. É fundamental que o povo também receba os benefícios das riquezas dos paises. Por isso, a guerra vai consumir um longo tempo, e nós não podemos ter certeza de quando ela vai terminar.

ISTOÉ

Dadas as circunstâncias, qual deveria ser a política americana com relação à questão palestina?

William Cohen

 Sempre defendi a idéia de que este governo deveria se envolver mais nos esforços para patrocinar uma reconciliação entre os palestinos e Israel. Algo que o governo Clinton tentou fazer com tenacidade, chegando muito perto de obter sucesso. Pensei que tínhamos uma grande oportunidade para conseguir uma paz duradoura, durante as conversas no outono passado em Camp David. Mas, infelizmente, não foi possível. Acho que, inicialmente, houve no governo Bush uma tendência a dizer às partes do conflito que os Estados Unidos não tinham mais condições do que israelenses e palestinos de promover a paz. Sendo assim, o governo americano esperaria até que as duas partes se cansassem da guerra e resolvessem voltar à mesa de negociação. Acredito que agora o governo Bush compreende que os Estados Unidos têm de atuar mais neste conflito e não pode ficar fora do processo de paz. A prova dessa mudança de linha são as declarações do secretário de Estado, Colin Powell, insistindo para que a violência na região seja contida e que também cessem os assentamentos de terras por colonos israelenses. Pediu ainda o fim dos atentados terroristas pelos palestinos e, ao mesmo tempo, que Israel deixe de caçar militantes palestinos. Desse modo, poderíamos obter um cessar-fogo efetivo, com os esfriamentos das tensões, o que seria condizente com o que aconselhou a Comissão Mitchel (a comissão internacional encarregada de recomendar estratégias para a paz na região). A partir daí, volta-se à mesa de negociações para procurar soluções para os conflitos. Até que isso aconteça, vamos continuar vendo violência no Oriente Médio.

ISTOÉ

A revista ISTOÉ recebeu informações de fontes dos serviços de inteligência de vários países confirmando a participação do Iraque nos atentados de 11 de setembro e até em outros ataques anteriores. O sr. acredita que o governo de Saddam Hussein será o próximo alvo dessa campanha?

 

William Cohen

Ainda se debate até que ponto essa campanha vai progredir. Nós precisamos mostrar evidências da participação do Iraque para convencer outros países que ajudam os Estados Unidos nesta guerra. Do contrário, nos arriscaremos a dividir esta aliança. Sei que existem várias pessoas dentro do governo americano que advogam o ataque a Saddam Hussein. Mas acho que o mais importante agora é manter a coalizão que temos hoje. Acho que, no momento, o governo tem de se concentrar no Taleban e na Al-Qaeda.