O que faria alguém largar o sossego de Parobé, cidade a 70 quilômetros de Porto Alegre (RS), para encarar uma viagem aos Emirados Árabes Unidos, duas semanas após os atentados terroristas de 11 de setembro? “Vender sapatos”, responde o próprio autor da façanha, Marlon Martins, representante comercial de um fabricante de calçados gaúcho. O executivo venceu o medo de avião e confirmou sua ida aos Emirados, país vizinho à região do conflito, mesmo depois de os outros seis membros da delegação brasileira terem desistido. Martins passou uma semana sozinho na feira do setor calçadista em Sharjah, mas não se arrepende. “Tudo transcorreu normalmente”, diz. Já de volta ao Brasil, comemora a dezena de contratos encaminhada por lá. “É um bom momento para exportar”, analisa. Iniciativas como essa fizeram a exportação de calçados brasileiros, sexto item da pauta nacional, crescer 10% neste ano e chegar a US$ 1,2 bilhão.

A opinião de Martins é quase unânime entre os envolvidos com o comércio exterior. O dólar nas alturas incentiva o empresariado brasileiro a romper fronteiras, depois de anos de sofrimento com a moeda americana barata. A balança comercial do País, que no ano passado teve um déficit de US$ 700 milhões, já está pendendo para o outro lado: até meados de outubro, registrava superávit de US$ 1,3 bilhão no ano. O próprio governo arregaçou as mangas e criou um ministério extra-oficial das exportações, sob o comando do embaixador Sergio Amaral.

O maior entrave para o esforço exportador é mesmo a conjuntura internacional, que anda complicada para quase todas as economias mais ricas do mundo, exceto para Rússia e China, que crescem, respectivamente, 5% e 8% ao ano. Nos dois principais parceiros econômicos do Brasil – EUA e Argentina –, o clima é outro. As vendas para a Argentina caíram 7% neste ano em comparação a 2000, que já havia sido ruim. Para os EUA, houve crescimento de 8%, mas o desempenho, puxado pela Embraer, dificilmente manterá o mesmo ritmo diante da crise da aviação no mundo.

“A situação está claramente prejudicada pelos EUA. Depois dos atentados, aumentaram a burocracia e os custos do transporte e do seguro”, diz o presidente do conselho de administração da Sadia, Luiz Fernando Furlan. “Mas é um momento em que temos de atuar positivamente, e não enfiar a cabeça no buraco feito avestruz”, receita o executivo, que acabou de voltar de uma missão comercial à Alemanha e já se prepara para viajar ao Japão. O esforço, em muitos casos, recompensa. A Sadia é o 12º maior exportador brasileiro. As vendas para o Exterior somavam US$ 346 milhões até agosto, um crescimento de 35% em relação ao mesmo período de 2000. Tipicamente exportadora, a empresa amarrou até um acordo com a arquirrival Perdigão para vender lá fora. As duas criaram a Brazilian Food Trading, que atua há um mês na venda de seus produtos mundo afora. Um esforço incomum entre as empresas brasileiras, historicamente acomodadas no enorme mercado interno. “No Brasil, nunca foi vital exportar”, diz Furlan.

O despertar para o mundo acontece aos poucos. “Só o câmbio favorável não promove o País, não traz desenvolvimento tecnológico”, diz Paulo Skaf, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). A trajetória do segmento é exemplar do histórico das exportações na última década. Até 1995, a indústria brasileira vendia mais do que comprava de países estrangeiros. O dólar barato inverteu essa situação, e o setor entrou em déficit, que só foi encerrado no último trimestre. No ano passado, a balança do setor ficou negativa em US$ 380 milhões. Neste ano, a reação começou, ainda que modestamente: já estava em US$ 9 milhões positivos até setembro, após um período de pesados investimentos em tecnologia e na promoção dos produtos brasileiros no exterior. Nessa modernização, justiça seja feita, o real valorizado ajudou. Até o fim do ano, as vendas de têxteis deverão atingir US$ 1,4 bilhão. “Se levarmos em conta que o setor gira, no mundo, US$ 380 bilhões, ainda é um patamar muito modesto para o Brasil”, avalia Skaf.

Em outros setores, a conjuntura é mais favorável. A doença da vaca louca, que atingiu principalmente a Europa, derrubou as exportações de carne nos países da União Européia. Foi o suficiente para destravar o mercado mundial do produto, em geral pouco dinâmico. Nessa corrida, o tradicional frigorífico Bertin, de Lins (SP), saiu na frente. Nos primeiros sete meses do ano, faturou US$ 240 milhões no Exterior, 40% acima das vendas de 2000.

No mercado asiático, o apetite dos japoneses, tradicionais compradores de commodities brasileiras, já não é mais o mesmo. A demanda por produtos “made in Brazil” caiu 25% até agosto. Em compensação, as vendas para a China cresceram 77% no ano, puxadas pela soja, minério de ferro e celulose. Só a Embraer faturou US$ 37 milhões no mercado chinês em 2001.

Algumas medidas para agilizar os embarques para o Exterior, anunciadas pelo governo na semana passada, provavelmente darão um empurrão a mais. Deverão engrossar o saldo comercial do País, que recentemente voltou ao azul. Nessa guerra, superar o medo de avião pode fazer toda a diferença.