Humorista do Porta dos Fundos diz que o problema da direita e da televisão brasileiras é que elas são mais conservadoras que capitalistas

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DEFESA
"Sou um partidário da legalização da maconha,
mas hoje em dia ela não é funcional para mim"

 

Aos 29 anos, Gregório Duvivier está construindo uma carreira múltipla. Formado em letras, o humorista escreve para jornais de grande circulação, é autor de três livros e está à frente de inúmeras peças, filmes e programas de televisão, como roteirista e ator. Mas o seu xodó é o canal do YouTube Porta dos Fundos, um dos recordistas mundiais de audiência na plataforma, que atingiu no mês passado 10 milhões de assinantes. Ele e seus colegas de Porta estão treinando exaustivamente para o espetáculo “Portátil”, peça humorística de improviso que estreia no dia 30 de maio em Belo Horizonte (MG).

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"O Porta dos Fundos acredita que a internet é onde se pode ser livre.
Nada se compara a ser dono da própria lojinha"

 

Na entrevista para a ISTOÉ, disse preferir o teatro aos vídeos e os livros ao seu smartphone, mas admitiu que é difícil se desapegar do aparelho: “Deixo o celular no quarto e vou ler em qualquer outro lugar da casa, ou no terraço ou na porta mesmo”.

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"Dizem que o escritor brasileiro coloca um terno quando senta à mesa.
É difícil um escritor de sandálias, como o João Ubaldo Ribeiro"

ISTOÉ

 Qual o papel do humor como ferramenta política?

 
Gregório Duvivier

 Uma das funções do humor é explicar o mundo, mas explicar confundindo, sem ser didático. Seu maior inimigo é o didatismo. Essa é a minha função, fazer perguntas quando as pessoas têm certezas. É a velha questão: o grande problema do mundo é que os idiotas têm muitas certezas e os espertos têm muitas dúvidas. Assim como a poesia, o humor é revelador, ele tem esse poder. E para a política isso é ótimo.

 
ISTOÉ

 Qual o erro mais comum ao se fazer piada com política?

 
Gregório Duvivier

  As vezes as pessoas batem – e elas têm que bater mesmo no governo – em todo mundo. Mas batem à direita. É bom lembrar que o governo já está à direita, por isso é fundamental bater à esquerda. “Ah, os impostos estão muito altos, a gasolina está alta, o dólar está muito alto”. Claro, está mesmo! Mas esse é o grande problema do Brasil? O problema não é que o imposto é alto, é que o pobre paga mais que o rico, proporcionalmente. É progressivo ao contrário, quanto mais dinheiro você tem, menos você paga. E eu não vejo muitas pessoas reclamando disso. Não tem que ter menos imposto, tem que ter impostos melhores. Não quero que o Jorge Paulo Lemann,  um dos controladores da AmBev, pague menos imposto. Quero que a pessoa que ganha um salário mínimo pague menos.

 
ISTOÉ

 O Porta dos Fundos era uma alternativa ao humor feito na televisão. Agora vocês fazem parte dela. Isso limita o trabalho? 


 
Gregório Duvivier

  O Porta dos Fundos era mais uma crítica ao humor televisivo em geral. Continuamos acreditando que a internet é onde se pode ser mais livre no mundo. Nada se compara a ser dono da própria lojinha. O problema da televisão aberta, mais do que a censura, é o fato de que o comando artístico fica na mão, muitas vezes, de pessoas que não são artistas. O foco fica no comercial. O barato do Porta é que ele não se preocupa com isso. A gente nunca levou em conta a viralização de um vídeo. O mais importante é a qualidade do conteúdo. E quando você vai para uma televisão fica muito difícil manter isso. 

 
ISTOÉ

  Muitos humoristas reclamam que a “patrulha do politicamente correto” atrapalha o trabalho deles. Você concorda?

 
Gregório Duvivier

 O que chamam de politicamente correto, patrulha, eu chamo de processo civilizatório. Durante muito tempo o humor no Brasil foi uma ferramenta de perpetuação de preconceitos: piada de português, de caipira, de gay, de mulher… minorias no geral. O mesmo esquete repetido ad aeternum: do teatro de revista para a rádio, do rádio para a televisão aberta, depois quicando de um canal para o outro. A piada era a mesma do início do século XX. Na virada do século XXI começou um processo civilizatório e, no humor, se passou a perceber que havia uma responsabilidade. Não era só uma piada. Nada é só uma piada. Nossa geração não é proibida de rir de uma piada racista, ela só não ri. É fundamental colocar dentro de nós a empatia com o outro. O humor não pode abdicar da empatia. Não significa que ninguém é melhor que você, mas que você tem noção dos impactos emocionais e afetivos das suas piadas, do seu trabalho. É um reflexo do que acontece de um modo geral na sociedade. A PEC das domésticas é empatia. No mesmo lugar de não fazer piada com minorias está o empoderamento das minorias, de seus direitos. Se você pensar que só no século XXI teve uma PEC das empregadas domésticas, sendo que em muitos países isso aconteceu no século XIX. É o processo civilizatório. A gente tem uma democracia muito recente e só agora se começa a pedir direitos básicos para algumas categorias. E também no humor se nota essa consciência política. 

 
ISTOÉ

 O Charlie Hebdo se encaixa nesse humor politicamente correto?

 
Gregório Duvivier

  Sou um defensor árduo do Charlie. Entendo outros pontos de vista e acho que ninguém é obrigado a achar graça. Eu mesmo achava a mão deles muito pesada. Mas são mártires do humor e sua coragem é muito bonita. A postura política deles era muito bonita e corajosa, porque não batiam na religião, mas no fundamentalismo. Muita gente, de esquerda inclusive, tentou dizer que eles estavam fazendo preconceito contra os imigrantes muçulmanos na França. Na minha opinião, ao menos, eles não  batem no imigrante, e sim no terrorista. Quem se sentiu ofendido, quem matou Charlie não foram os imigrantes pobres e muçulmanos da França. Quem matou Charlie foi uma organização terrorista internacional. E era nessa organização que eles batiam. Seus principais alvos eram os extremistas. E o mais bonito foi a edição nova: “Tout est pardonné” (tudo está perdoado), Deus perdoa tudo. É isso. Essa era a mensagem principal deles. Eles eram apaixonados pela liberdade. Assim como a cultura francesa é de uma apreciação da liberdade extrema.

 
ISTOÉ

 Como avalia o atual momento político?


 
Gregório Duvivier

  Outro dia ouvi alguém falar que o Brasil tem um dos piores presidentes que poderia ter. Quem manda no governo não é a Dilma. Porque é o Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que está na presidência e o vice é o Renan Calheiros (PMDB-AL)). E aí você acha que é oposição batendo na Dilma. Não, você é governo! Está se alinhando com quem manda. É bom a gente relembrar que no Brasil a indefinição é o regime, como dizia Caetano Veloso. O que se pensa ser governo não é, o que você acha que é oposição, não é. 

 
ISTOÉ

 Você foi contra as manifestações de março deste ano?

 
Gregório Duvivier

 Não, toda manifestação é digna. Mas todo mundo era contra a corrupção e a minha pergunta foi: como, se não tem ninguém a favor? Como você levanta uma bandeira contrária a algo que não tem, por exemplo, uma “bancada da corrupção”. Então vamos ser contra a maldade, contra o câncer… Não. Vamos procurar o que causa a corrupção. É o financiamento de campanha? Então vamos ser contra, porque tem muita gente a favor. Ou é o voto proporcional? Afinal, o que é isso? Vamos tentar entender o fundamento, se não fica inócuo. Contra tudo que está aí… O que é tudo que está aí? Quem são as pessoas que representam isso? 

ISTOÉ

 Em qual linha política você se encaixa?

 
Gregório Duvivier

 A direita fala dos comunistas e a esquerda dos capitalistas. Não existe mais essa dicotomia, todo mundo é capitalista e isso não tem nada de errado. Mesmo a esquerda é capitalista no Brasil. Todos os partidos são e isso não é nada nocivo. O problema é o conservadorismo, que inclusive é contra o capitalismo. Tem uma entrevista muito boa com o Seth MacFarlane (criador da animação humorística americana “Family Guy”). O desenho batia forte demais nos republicanos e a Fox, sendo uma emissora republicana, tirou do ar. Aí eles disseram: “Tudo bem, na próxima edição a gente faz em DVD”. Foi recorde de vendas nos Estados Unidos e a FOX falou “volta pra cá”. Então o MacFarlane deu essa entrevista falando que a FOX foi mais capitalista do que conservadora, o que é muito bom. O problema das emissoras brasileiras é que elas são mais conservadoras que capitalistas. Assim como, de um modo geral, nosso Congresso, a direita brasileira é mais conservadora que capitalista.

 
ISTOÉ

 Há vídeos do Porta falando em maconha, você narrou em uma a primeira vez que fumou… Você ainda fuma?

 
Gregório Duvivier

 Não, não. Sou um partidário da legalização, mas não fumo. Já fumei muita maconha na vida e até acho que me fez bem, mas hoje em dia não é funcional para mim, porque a maconha te tira do ritmo e eu preciso estar em ritmo acelerado. Minhas drogas hoje são a ritalina e a cafeína. Não que sejam menos nocivas que a maconha, acho até que são mais, mas prefiro as acelerantes por questão de produtividade mesmo. Mas para muita gente que eu conheço é funcional, pessoas fumam para estudar, para entrar no palco… Eu que não acho o efeito funcional para o meu trabalho.

 
ISTOÉ

 É difícil ser escritor na era da internet?

 
Gregório Duvivier

 A concorrência com o smartphone é desleal, mas vale a pena ainda apostar em formatos longos, em livros. A gente tem que correr atrás também, porque a linguagem puxa o novo conteúdo. Outro dia fiz uma apresentação sobre o meu trabalho em uma escola e os meninos acharam super legal escrever sem ponto. Literatura não é necessariamente escrever bem. Você pode escrever do jeito que fala. Não é José de Alencar. Dizem que o escritor brasileiro coloca um terno quando senta à mesa. É difícil um escritor de sandálias, como o João Ubaldo Ribeiro, Nelson Rodrigues, que apesar de vestir sempre terno escrevia um português de sandálias.  E o livro impresso é a mídia mais prática que tem. Não descarrega, você não tem que achar uma tomada de três pinos. 

 


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