O verbo foi usado dias atrás, em uma conversa informal, pelo presidente da subsidiária brasileira de uma das patrocinadoras globais da Fifa: MONITORAR. Ele resume o esquema tático padrão adotado pelas companhias que pagaram caro – por dentro e, muitas vezes, por fora – para associar suas marcas ao maior evento esportivo global e acabaram imprimindo seus logos no maior escândalo esportivo dos últimos tempos. Eram orgulhosos donos da bola. Viraram retranqueiros assustados. “A matriz está MONITORANDO o caso”, respondeu o executivo diante da pergunta inevitável: “E agora, com toda essa mancha de corrupção, o que vocês vão fazer?”

A resposta genérica, apoiada no gerúndio – aquele que deveria indicar uma ação continuada – informa apenas o desejo de não responder. Usa-se subterfúgio das expressões vazias, que se renovam de tempos em tempos ou se adaptam à situação ou ao setor em que atua o personagem questionado. No setor público, “abrir uma sindicância” é quase sinônimo de engavetar o assunto que deveria ser apurado, resultando na responsabilização do agente do malfeito. “Iniciar um rigoroso inquérito”, na maioria das vezes, indica a disposição de fazer fumaça para esconder a falta de empenho em apurar qualquer coisa.

Os verbos do descompromisso nos lançam a um mundo em que as palavras perdem seu sentido real, esvaziam-se diante dos riscos de se tomar atitudes ou emitir opiniões. Os parceiros da Fifa certamente MONITORAM as repercussões do escândalo. Não para exigir que algo mude, mas sobretudo para mensurar os efeitos da crise sobre seus negócios e suas marcas. Enquanto a perda for tolerável e, principalmente, reversível a longo prazo, é mais cômodo usar o discurso inodoro e agir nos bastidores do que se afastar pública e efetivamente da estrutura corrupta a que estavam associados – ainda que totalmente dentro dos conformes. Quando o presidente da Fifa anuncia a renúncia, apoia-se o gesto como se há tempos defendessem uma mudança radical na entidade. O próximo passo é MONITORAR o processo sucessório para “assegurar que o futebol passe a viver tempos de mais transparência”.

Por conta da sobreposição do discurso à ação, os parceiros da Fifa contabilizam, neste momento, perdas na exposição positiva de suas marcas em dois grandes torneios. Enquanto debatemos um caso policial, deixamos de comentar que estão em plena disputa um campeonato mundial Sub-20 (que apresenta ao mundo os futuros craques, aqueles que farão girar a roda de negócios do futebol nas próximas décadas) e o mundial feminino (outra frente crescente de mercado para o esporte bretão). Por conta da opção pelas manifestações sem posicionamento claro, caminha-se para a realização de Copas do Mundo manchadas pela suspeita e, mas que tudo, por uma tragédia humanitária. Ao MONITORAR o avanço das obras realizadas no Qatar para erguer no meio do deserto a estrutura faraônica proposta para sediar a Copa de 2022, não é difícil se concluir que o preço em vidas consumidas ali é alto demais para ser suportado. Mais de 1200 mortes de operários, a maioria imigrantes nepaleses e indianos vivendo em condições de semiescravidão, já foram registradas – a média é de uma morte a cada dois dias. Pode não haver palavras, num futuro breve, para explicar a ausência de uma ação imediata. Quem apenas MONITOROU agora será julgado amanhã.