Paris para apaixonados. Caminhar e sentar em um dos charmosos boulevares, tomar champanhe observando as luzes da torre Eiffel, percorrer a avenida Champs Elysees até chegar ao Arco do Triunfo e, por fim, cruzar as pontes do Sena e pendurar um cadeado como símbolo de amor e união na Pont des Arts, sem esquecer de jogar a chave no rio. O roteiro típico dos enamorados, porém, não deverá se repetir graças a uma medida da prefeitura de Paris que determinou a retirada de mais de 900 mil cadeados, que pesavam cerca de 45 toneladas, fixados por casais ao longo dos últimos anos na belíssima ponte. A decisão, apoiada também pela Câmara dos Deputados, levou em consideração razões estéticas e o risco ao patrimônio histórico. “Os cadeados não colaboravam em nada com a paisagem e estavam causando problemas em função do peso”, afirma Nilson Ghirardello, arquiteto e urbanista da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “O guarda-corpo da ponte poderia desabar a qualquer momento, causando um grande estrago para o centro histórico da cidade.” As grades foram substituídas por uma exposição temporária de arte de rua de 56 painéis ao longo dos 150 metros da ponte.

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MUDANÇA
Casais que costumavam ir à Pont des Arts colocar um cadeado, jogar a chave
no Sena e fazer uma selfie (abaixo) deverão encontrar, a partir
de agora, 56 painéis de arte de rua (acima)

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Projetada pelos arquitetos Louis-Alexandre de Cessart e Louis Gerald Arretche, a Pont des Arts se manteve firme até meados do ano passado, quando uma parte do gradil começou a desmoronar em função do peso excedente. A remoção dos cadeados sempre foi polêmica entre visitantes, moradores e autoridades, já que a maior parte dos turistas reconhecia a intervenção como parte integrante do roteiro entre o Museu do Louvre, a Academia Francesa e a Ile de la Cité. Prova disso, é que recentemente a tradição se espalhou e quem visita Paris consegue avistar outras pontes menores e menos famosas sendo tomadas por cadeados do amor.

Enquanto um grupo de pessoas, principalmente turistas, se sensibilizava com a retirada dos cadeados, parte da população local classificava o ritual romântico como um ato de vandalismo. A moradora americana Lisa Anselmo criou a campanha “No Love Locks” (não aos cadeados do amor), sob o slogan “Liberte seu amor, salve nossas pontes”. Lisa comemorou a decisão da remoção e a classificou como uma “pequena vitória”. A campanha foi criada por ela em janeiro de 2014, em parceria com a amiga também americana Lisa Taylor Huff, que vive em Paris desde 2006. “Foi uma iniciativa para aumentar a conscientização em relação ao problema.” Na internet, elas chegaram a fazer uma petição on-line pela retirada dos objetos de metal que já conta com mais de 10 mil assinaturas. Atendendo aos pedidos das jovens e de outros moradores, o vice-prefeito de Paris, Bruno Julliard, decidiu pelo fim dos cadeados, alertando que até a navegação no rio Sena corria riscos.

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Desde a manhã da segunda-feira 1, agentes da prefeitura interditaram a passagem na ponte para que os funcionários retirassem os gradis. Cada lâmina chegava a pesar 500 quilos. Em outros países da Europa problemas semelhantes chamaram a atenção de arquitetos e urbanistas. Em Roma, na Itália, a fonte dos desejos em frente à imponente construção Fontana Di Trevi guarda a tradição de que o turista que jogar uma moeda nas águas voltará à cidade novamente. Nesse caso, segundo o arquiteto da Unesp, a diferença está na reversibilidade do processo. “As pessoas desejam interagir com as cidades e quando essas ações podem ser revertidas não há problemas”, diz Ghirardello. “A prefeitura pode retirar as moedas da fonte periodicamente, já em Paris trata-se de uma ação irreversível.” De agora em diante, os enamorados precisarão encontrar novos símbolos para eternizar sua passagem pela Cidade Luz. Em tempo: a prefeitura parisiense prometeu não jogar fora os milhares de cadeados fixados na ponte, em respeito às promessas de amor representadas neles. Casais do mundo todo agradecem.

Fotos: AURÉLIEN MORISSARD/CITIZENSIDE; DOMINIQUE FAGET/AFP PHOTO; STEPHANE DE SAKUTIN/AFP PHOTO