Fazer promessa para Santo Expedito, oferecer flores para Iemanjá ou meditar num templo budista. Vale tudo. Dentro de seu sincretismo religioso, o brasileiro se permite buscar alívio espiritual em fontes diferentes, sem que isso signifique abalo a sua religiosidade. E essa maleabilidade é repassada para os filhos. Algumas crianças, no entanto, surpreendem ao buscar, elas mesmas, um caminho religioso alternativo ou ao adotar a opção dos pais de uma maneira compenetrada. São pequenos iniciados como Andréia, dez anos, que decidiu ser budista depois de ouvir uma história contada por sua mãe. “Eu estava chateada com os meus amigos da escola. Então minha mãe me contou que os amigos de Buda faziam tudo para irritá-lo, mas ele se mantinha calmo. Foi ideal para mim. Nesse momento percebi que queria ser budista”, diz a menina.

A mãe de Andréia, a secretária Adimarícia Silva, 47 anos, não tem religião definida, mas aprecia as filosofias orientais. Costumava meditar em casa e a filha a acompanhava. “Talvez o interesse de Andréia tenha vindo daí”, arrisca a mãe. A menina gostou tanto que convenceu a amiga Bruna a frequentar com ela às quintas-feiras a sessão de meditação para crianças do Centro Dharma. As aulas são orientadas pela educadora Gabriela Brioschi, autora de Meu amigo lama, meditação para crianças, recém-lançado pela Global Editora. “As sessões surgiram a pedidos de pais que queriam que as crianças entendessem um pouco o que era ficar ali parado, quietinho”, explica Gabriela. A educadora enfatiza que a sessão de meditação para as crianças é uma forma de colocá-las em contato com o seu corpo, com o que se passou no dia e com acontecimentos que as afligem. No livro, ela apresenta o lama como um grande amigo que ensina a lidar com os sentimentos ruins. “Não vamos fazer de conta que não sentimos raiva ou ciúmes, mas podemos saber o que fazer para mudar o que nos faz sentir mal”, indica ela.

Para Andréia, ser budista é mais que isso. “Antes eu deixava que as más palavras me chateassem. Agora sinto que elas se desviam. Minha energia não deixa que elas entrem em mim. Fico calma.” Tais palavras na boca de uma menina espantam. Pensar que ela fica concentrada “se energizando” parece mais estranho ainda. Afinal, acredita-se que as crianças têm muita energia para queimar e precisam é de atividades físicas. Mas não é tudo. Os pequenos também precisam de quietute, para pensar sobre o que ouvem, vêm e sentem. “Hoje em dia as crianças correm tanto, têm tantos compromissos quanto um adulto. Um espaço para pensar em si é bem-vindo”, explica a psicóloga Ana Lúcia Lobo, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Também chamam a atenção os casos em que a opção exige da criança comportamentos diferentes da maioria de seus vizinhos e coleguinhas de escola, como acontece com Victor Vidyadhara Rodrigues, seis anos. Esperto e articulado, Victor não é capaz de se deliciar com uma bala sem ter certeza de que em sua composição não há elemento de origem animal. “Não acho certo matar nenhum bichinho. É muito violento”, diz o menino. “Gosto de arroz, feijão, salada de alface. Também como sanduíche com pão integral, banana e maçã”, enumera. Seus pais são Aline Cristhiane Teles da Cunha Rodrigues, 27 anos, e Antônio Carlos Correa Rodrigues, 35 anos, ou Ananda Seva e Ananda Kirtan, como foram batizados no movimento hare krishna. Aline trabalha com tecelagem manual e Antônio vende livros na rua para divulgar a doutrina. O menino aceita as limitações alimentares, participa com alegria das orações no altar doméstico e conhece mantras e canções. “Victor é como qualquer outro menino, às vezes quer ler gibi na hora das orações”, conta a mãe. Os pais explicam que ser hare krishna é seguir o conhecimento védico, literatura hindu com cerca de cinco mil anos que tem entre os principais preceitos a não-violência e a reencarnação.

Energia – Beatriz Pereira Rego, carioca de 64 anos, também se surpreende com a neta Mariana, 11 anos. Foi ela quem iniciou a família na Igreja Messiânica, mas Mariana foi a que mais se identificou com os preceitos e ministra o johrei, uma forma de transmissão de energia, há três anos. Dentro da organização messiânica, é permitida uma atuação ativa desde cedo. “A partir dos cinco anos a criança já pode aplicar o johrei, mas só nos familiares, para evitar que recebam energias negativas de terceiros”, explica a avó. Mariana conta o que sente ao cumprir a tarefa: “Quando ministro johrei, sinto paz e tranquilidade porque a pessoa está recebendo uma energia boa. Já ministrei em minha avó, quando ela estava com pedra no rim, na minha mãe e em meu irmão, quando os dois tinham uma gripe bem forte. Sei que eles melhoraram”, diz, feliz, a menina.

Colaborou Celina Côrtes, do Rio de Janeiro