chamada.jpg
MÃO ARMADA
Em Caracas, baixar preços é função de soldados

Nenhum país conseguiu sucesso no longo prazo sem que os seus líderes tenham garantido autonomia para os gestores da política econômica. Quando confundem política com economia, os governos podem registrar vitórias efêmeras. Mas os fundamentos econômicos logo voltam a lembrar que fórmulas mágicas ou efeitos especiais só funcionam no cinema. Nas últimas semanas, porém, os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Cristina Kirchner, da Argentina, declararam guerra à economia e adotaram medidas que apostam mais na ficção do que na realidade. A consequência desta intromissão política é que esses países têm cada vez menos economistas qualificados no governo e dispostos a lutar ao lado de seus governantes. Há a desconfiança de que, quando a hora da verdade chegar, existirão poucos técnicos capazes de lidar com os desafios. Esse risco já está sendo contabilizado, inclusive, pelo governo brasileiro. Em Brasília, uma alta autoridade do Ministério da Fazenda reclama da ausência de quadros de peso na equipe econômica argentina que possam sustentar um diálogo técnico consistente com os assuntos em pauta entre os dois países.

Depois das decisões anunciadas por Chávez e Cristina há o receio de uma nova debandada de economistas dos governos dos países vizinhos e ameaça de prejudicar ainda mais os entendimentos em temas que interessam ao Brasil. As medidas que deram mais combustível aos que fazem essas ressalvas foram a demissão por decreto do presidente do Banco Central argentino, Martín Redrado, por Cristina, e a criação de duas taxas de câmbio por Chávez – o bolívar passou a custar 2,60 por dólar para alimentos e artigos essenciais e 4,30 por dólar para vender petróleo e negociar supérfluos. O primeiro sinal de que há algo de errado com a medida cambial foi uma súbita troca de papéis: reduzir preços na Venezuela não é mais função de economistas, mas de soldados armados enviados aos supermercados. Ou seja, Chávez não acredita na “mão invisível” do mercado para equilibrar preços, mas põe toda a fé na mão armada. É de assustar qualquer economista. “Não sobrou mais ninguém na economia, porque ninguém vai ficar vendo o Chávez fazer todas as loucuras possíveis e imagináveis”, diz o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso. “Há um século, a Argentina era a quinta maior economia do mundo. Hoje, seu PIB é um pouco maior do que a metade do PIB de São Paulo”, lembra. Desse período para cá, o país viu desaparecer do setor público economistas como Domingo Cavallo, Roberto Lavagna, Guillermo Calvo, Aldo Ferrer, José Luis Machinea e, sobretudo, uma lista de acadêmicos e colaboradores. “Vemos a progressiva decadência da economia argentina porque falta respeito pelas instituições”, explica Enrique Saraiva, argentino naturalizado brasileiro, professor de administração pública da FGV.

img.jpg
PÉS PELAS MÃOS
Chávez e Cristina: medidas políticas derrubaram o PIB dos dois países
 

A decisão tomada por Cristina criou uma crise institucional, pois lá o BC é independente, o presidente tem mandato concedido pelo Congresso Nacional. Quando for divulgado o PIB de 2009, espera-se uma queda de 2,9%, com agravamento do déficit público e aumento do desemprego e da inflação (entre 15% e 25%). Cristina decidiu demitir Redrado porque ele se recusou a usar as reservas para pagar a dívida pública. Redrado, por sua vez, acusa Cristina de querer aumentar o gasto público, indiretamente, à custa das reservas. Ele se mantém no cargo por força judicial e a decisão definitiva sobre a demissão cabe ao Parlamento, no qual ela não tem maioria. Apesar de ressaltar que Cristina tem o direito de ter um aliado à frente do BC argentino, o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de “Brasil, Argentina e Estados Unidos – da Tríplice Aliança ao Mercosul”, avalia que tanto na Argentina quanto na Venezuela o problema é o predomínio da política sobre as questões técnicas. Na Venezuela, Chávez conseguiu, com a maxidesvalorização de até 100%, reduzir o poder aquisitivo da população e provocar inflação. Além de colocar o Exército como guardião dos preços, Chávez anunciou racionamento de energia e redução na exportação para o Brasil.

A Venezuela fornece 20% da energia consumida em Roraima, o que obrigou o governo brasileiro a ligar as termoelétricas a diesel para garantir o suprimento de energia no Estado. “O problema é que Chávez só está empenhado em estender a sua influência bolivariana”, diz Norman Gall, do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. “Ele não se interessa pelas taxas de homicídio que estão aumentando, menos ainda pela teoria econômica. Por isso, essas extravagâncias.” Para o povo venezuelano, o preço já é alto, independentemente do Exército. O PIB deve cair 2,9% em 2009, a inflação deve alcançar 25,1%, a maior da América Latina, e o déficit fiscal bate em 6% do PIB. E quem é o ministro da Economia e Finanças na Venezuela? Um advogado: Ali Rodríguez Araque. Por quê? Chávez diz que não precisa de economistas.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias