Mais do que um presente para os incontáveis fãs, o esperado CD de Rita Lee, Aqui, ali, em qualquer lugar, é um nostálgico presente para os fãs da banda que ela homenageia com o trabalho, os Beatles. Interpretando 11 clássicos do quarteto de Liverpool, quatro deles vertidos para o português, Ritinha transforma o disco em uma espécie de #1 particular, numa referência à coletânea de sucessos dos Fab Four que quebrou todos os recordes de venda no ano passado. Inicialmente, o projeto previa mais versões do que as quatro apresentadas – Pra você eu digo sim (If I fell), Minha vida (In my life), Tudo por amor (Can’t buy me love), reprisadas com os versos originais, e a faixa título, Here, there and everywhere, na verdade composta de apenas duas estrofes em português. As demais acabaram ficando de fora em razão das complicadas negociações.

Na maior parte do disco, domina o estilo “mania de você” creditado à direção musical do guitarrista Roberto de Carvalho, que levou ao pé da letra a mensagem contida em With a little help from my friends, também gravada. Ao escalar os convidados, Roberto contou mesmo com uma pequena ajuda dos amigos. Entre outras participações, o piano de João Donato abrilhanta All my loving e Lucy in the sky with diamonds e a bateria de João Barone ajuda a criar um clima tropicalista para A hard day’s night. Com seu contrabaixo elegante, Arismar do Espírito Santo dá um toque de classe à Michelle. E graças à percussão de James Müller, o iê-iê-iê She loves you virou samba enquanto I want to hold your hands se revela uma alegre festa cajun no embalo do acordeão de Toninho Ferragucci.

As mesmas negociações que vetaram um maior número de versões permitiram, contudo, o uso de imagens inéditas dos Beatles para o vídeo promocional do CD. É uma pena que o trabalho não seja veiculado. Sua edição é tão sofisticada que em algumas músicas as imagens da banda foram sincronizadas com a voz de Rita. No vídeo, ao falar de sua paixão pelo grupo, ela lembra que foi sua irmã mais velha, Mary Lee, quem trouxe de Londres, onde passou a lua-de-mel, o primeiro compacto do grupo, Love me do/P.S. I love you. Era o ano de 1962. Mais tarde, beatlemaníaca de arrancar cabelos, Rita aprendeu contrabaixo só “para ter o que falar com Paul McCartney, caso o conhecesse”. A esta altura, já tinha apresentado a música do grupo aos irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista, com quem formaria os Mutantes.

Fanática pelos filmes do “conja” inglês – gíria da época para conjunto – em 1968 Rita engoliu um “ácido” para assistir ao desenho Submarino amarelo. Como o LSD daquela época era mais puro e seu efeito durava cerca de 12 horas, a garota acabou dormindo no cinema, só acordando antes da primeira sessão do dia seguinte. A paixão durou mais dois anos. Chateada com a separação da banda, ela deixou de ouvir as músicas do grupo favorito da adolescência. Em 1980, ao se comover diante da tevê com a notícia do assassinato de John Lennon, acontecida meses após a morte da sua irmã Mary, ela foi tomada por uma angústia que a fez ir em busca dos velhos discos. E nunca mais deixou de ouvi-los. É essa paixão que se sente diante de Aqui, ali, em qualquer lugar. Sua audição desperta reminiscências. Como ela canta lindamente em Minha vida (In my life), o disco faz desfilar “cenas do meu filme em branco-e-preto/que o vento levou e o tempo traz”.


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