Adifícil situação econômica do País começa a produzir mais um duro efeito. Ao cortar custos para conseguir sobreviver à crise, boa parte das empresas está tirando de seus orçamentos as doações a organizações e instituições sem fins lucrativos. Uma das associações que já sente o impacto dos cortes é a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), com sede em São Paulo. A instituição dá amparo a crianças com deficiências e possui mais de quinze unidades no País, entre centros de reabilitação, escolas e oficinas ortopédicas.

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Desde o ano passado, porém, vê o dinheiro minguar. Em 2014, os recursos captados caíram para R$ 80 milhões, 35% a menos do que a entidade recebeu em 2013. Para piorar a situação, os gastos aumentaram. “O custo da mão de obra sobe todo ano e temos de nos virar para captar recursos”, diz Valdesir Galvan, presidente da instituição. “Neste ano, uma das formas de evitar uma queda importante na arrecadação será apostar na doação das pessoas físicas”, afirma Ângelo Franzão, superintendente de captação da instituição. A conseqüência das dificuldades se reflete nos consultórios. Em 2013. foram atendidos 1,5 milhão de pacientes. No ano passado, o total de atendimento caiu para cerca de 1 milhão.

Na Casa do Zezinho, em São Paulo, o impacto também é grande. Localizada em uma das regiões mais pobres da capital paulista, a entidade atende cerca de 200 crianças e jovens carentes por ano. Em 2014, arrecadou R$ 7,2 milhões e planejava conseguir R$ 10 milhões este ano. Porém, desde o ano passado os recursos doados por empresas diminuíram 15%.

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Na AACD (SP), o atendimento de crianças deficientes pode ser prejudicado. Franzão (à esq.)
e Galvan, executivos da entidade, pretendem aprimorar formas de captação de recursos
ao longo do ano. Já Viviane Senna (à dir.) terá que recorrer a uma reserva
para conseguir manter seus projetos

A situação na área da educação é igualmente complicada. O Instituto Ayrton Senna, que auxilia por ano mais de 1,8 milhão de crianças e adolescentes em todo o Brasil, previa para 2015 uma receita de R$ 57 milhões, mas reduziu a expectativa para R$ 45 milhões, o equivalente ao arrecadado no ano passado. “É um desafio enorme manter a captação de recursos em um ano de retração como o que estamos vivendo”, afirma Viviane Senna, presidente do instituto. Para conseguir o crescimento previsto, a organização aposta no marketing relacionado à causa e resgatará de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões de um fundo de investimento que possui para situações emergenciais. “Faremos de tudo para que nossa atuação não passe por nenhum tipo de impacto”, diz Viviane.

Um dos setores econômicos que mais deixou de realizar repasses para programas de responsabilidade social é o industrial – fortemente atingido pela crise financeira. Na Vale – uma das maiores mineradoras do mundo -, a diminuição dos investimentos em iniciativas socioambientais é evidente. De 2013 para 2014 houve uma redução de 11% nessas aplicações. Isso quer dizer que US$ 144,9 mil deixaram de ser aplicados em programas da área. E especialistas do terceiro setor garantem que o aporte neste ano seguirá tendência de queda.

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Quem depende de incentivos fiscais também está sofrendo. Levantamento realizado pelo Ministério da Cultura com exclusividade para a ISTOÉ mostra que de janeiro a abril deste ano a captação de recursos via lei Rouanet caiu 17% em relação ao ano anterior. São quase R$ 35 milhões a menos destinados a projetos culturais. “A lei Rouanet permite que parte do imposto de renda das empresas seja destinado a um projeto social”, diz André Degenszajn, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas. “Se o lucro cai, esse repasse também diminui”, afirma.

O que se observa hoje é algo que vinha sendo sinalizado nos últimos anos. A última pesquisa Benchmarking do Investimento Social Corporativo, realizada pela Comunitas (organização da sociedade civil que atua no desenvolvimento de projetos sociais), mostrou que em 2013 o total dos investimentos sociais do setor privado já tinha caído 26% em relação a 2012, de R$ 2,7 bilhões para R$ 2 bilhões. “Este ano esperamos uma queda ainda maior”, afirma Ana Pelliano, responsável pelo levantamento.

Fotos: João Castellano/AG. istoé; Juan Guerra/ Instituto Ayrton Senna