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Policiais escoltam o ônibus da seleção da Costa do Marfim, em Cabinda.

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Clima de guerra é uma expressão comum no meio futebolístico. Em competições, ela é traduzida como o momento de tensão psicológica que antecede as grandes partidas. Na sexta-feira 8, porém, essa espécie de jargão do mundo da bola ganhou tradução literal no continente africano. Em Cabinda, uma das cidades-sede da Copa Africana das Nações, que acontece em Angola até o dia 31 deste mês, o ônibus que transportava a seleção do Togo foi metralhado por membros do movimento separatista angolano Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (Flec). Dois integrantes da delegação togolesa foram mortos e outros oito feridos, entre eles dois jogadores. Togo decidiu abandonar o torneio. E o medo fez uma nova vítima: a Copa do Mundo da África do Sul. Assim que o som das metralhadoras cessou, a luz amarela acendeu em vários países. A rede de tevê americana Fox News, por exemplo, anunciou que o atentado aumenta a preocupação com a segurança da Copa, que poderia ser alvo de ataques terroristas. O jornal britânico “Daily Mirror” foi mais incisivo: “Catástrofe para a primeira Copa do Mundo na África.”

Repassar o ônus do atentado em Angola para o país de Nelson Mandela é, segundo a visão do congolês Kabengele Munanga, professor titular de antropologia da Universidade de São Paulo (USP), um exagero que mostra o preconceito contra o continente africano. “São as questões sociais que representam uma ameaça à segurança na África do Sul”, diz ele, referindo-se ao desemprego, à criminalidade, à baixa escolaridade, à fome e à epidemia de Aids. O país-sede do maior evento da Fifa, porém, não é alvo de terrorismo nem registra grupos rebeldes armados em seu território ou conflitos com as nações com as quais faz fronteira. “Os problemas são um legado do apartheid, mas a violência, por exemplo, não chega perto da que existe no Rio de Janeiro”, completa.

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Alguns dos 52 mil policiais que devem trabalhar na Copa

Cabinda, por sua vez, uma província angolana que, geograficamente, fica fora de seu Estado-mãe, entre os dois países chamados Congo, sofre com as investidas da Flec desde que Angola cortou o cordão umbilical do colonizador Portugal, há 35 anos. Com 100 mil habitantes, ela responde por 70% do petróleo exportado por Angola. Membros dessa milícia, portanto, reivindicam à bala um repasse maior de recursos e a autonomia territorial. “A intenção do atentado era chamar a atenção para a situação de Cabinda e constranger Angola”, opina Cláudio Oliveira Ribeiro, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Rodrigues Mingas, secretário-geral da Flec, confirmou que o objetivo dos ataques era combater a polícia angolana que fazia a escolta do ônibus de Togo – não os atletas. Ciente do fato, Danny Jordaan, chefe do comitê organizador da Copa, apressou-se em desvincular a África do Sul do ataque armado. “Pedimos ao mundo que não se usem dois critérios. Quando há um incidente terrorista em um país europeu, outros países da Europa não são ligados a ele.” De fato, não houve grita semelhante em relação à Copa da França, em 1998, quando a guerra na antiga Iugoslávia estava em curso. Cabinda e a sul-africana Cidade do Cabo – uma das cidades mais violentas do mundo, com taxa anual de 62 homicídios por 100 mil habitantes – estão a 3.200 quilômetros uma da outra, mil a mais da distância que separa Paris de Kosovo, o epicentro do conflito nos Bálcãs. “O problema é que pensam que a África é um país”, reclama Didier Kouakou, secretário-geral da Associação dos Marfinenses no Brasil.

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"Os terroristas tinham mísseis, fuzis.Pensei: ‘chegou meu fim’"
Emmanuel Adebayor, jogador do Togo

Não é só isso. Aos olhos dos que temem pela segurança na Copa, algumas nações que estarão em campo poderiam atrair um ataque terrorista. Aí surge a questão: estaria a África do Sul preparada para garantir a paz? O governo já investiu 115 milhões de euros (R$ 294 milhões) com a compra de seis helicópteros e dez canhões de água para dispersar manifestações. Cerca de 52 mil policiais, um terço de todo o pessoal do país, irão trabalhar no evento e serão orientados pelo FBI, a Scotland Yard e o Escritório Federal de Polícia Criminal alemã.

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Faltam menos de seis meses para a bola rolar nos gramados sul-africanos. E o mundo não quer ser surpreendido por cenas assustadoras, como as descritas pelo togolês Emmanuel Adebayor, melhor jogador africano de 2008, que saiu ileso do ataque ao ônibus em Cabinda. “Os terroristas tinham pistolas, mísseis, metralhadoras, fuzis… Eu pensei: ‘chegou meu fim’. Então, passamos a mandar mensagens de despedida para nossos familiares”, contou o astro do Manchester City, da Inglaterra, cujo passe está avaliado em R$ 70 milhões. “É uma vergonha dizer isso, mas a vida de um homem na África não vale nada.”

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