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NOVIDADE
“Solitários”, do SBT: tortura consentida

 

Por que o ser humano se diverte com a desgraça alheia? Na Roma antiga, gladiadores se enfrentavam até a morte diante de uma plateia delirante. Pode-se dizer que a barbárie fazia parte da sociedade e que, portanto, deleitar-se com a violência estava no contexto. Agora, é a bizarrice que triunfou. Em cadeia nacional ou na internet, os reality shows são a arena onde os participantes passam por situações cada vez mais constrangedoras e escatológicas para entreter o telespectador – e gerar receitas polpudas às emissoras de tevê, pois são programas baratos e lucrativos.

O show de horrores parece não ter fim. Na semana passada, começou no SBT “Solitários”, uma adaptação do americano “Solitary”, no qual o banho é proibido e a tortura, cotidiana. Na estreia, a atração atingiu 8 pontos, dobrou a média do horário. Os nove participantes ficam confinados em uma cabine, testando seus limites em provas que incluem ficar de pé em pregos de madeira. Eles têm a comida racionada, dormem em média quatro horas por dia, com a luz acesa, e o sono é interrompido por barulhos como tiros e crianças chorando. Tudo isso para ganhar um prêmio de R$ 50 mil, quantia módica perto do R$ 1,5 milhão do “Big Brother Brasil 10”, da Rede Globo. “É um experimento social”, justifica o diretor do programa, Denis Salles. O formato foi amenizado para o público brasileiro. Nos Estados Unidos, participantes eram obrigados a comer até vomitar, por exemplo.

Lá fora, não há limites para a apelação. No americano “Celebrity Rehab”, famosos viciados em álcool e drogas passam por tratamentos de desintoxicação em público. No “I Want a Famous Face”, da MTV, jovens fazem cirurgias plásticas para ficar parecidos com seus ídolos. A produtora britânica TC Fulcrum e o Channel 4 levaram o mau gosto ao extremo: buscam doentes terminais que concordem em ter seu corpo embalsamado diante das câmeras, a pretexto de testar técnicas egípcias de mumificação.

Minas de ouro, programas como “A Fazenda”, da Record, e “BBB” são mais amenos. O “Big Brother” é um dos produtos mais rentáveis da Globo: a edição passada teve receita de R$ 110 milhões. O reality da Record se pagou antes de estrear em suas duas edições. Mas também colocam os participantes em situações constrangedoras, como tomar banho na frente das câmeras e recolher fezes de animais. “As pessoas aceitam passar por provas humilhantes para depois se tornar heróis”, diz Leonel Aguiar, do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. E quem assiste? “O telespectador realiza um impulso sádico ao ver os outros nessas situações”, diz o psicanalista Paulo Quinet, diretor da Federação Brasileira de Psicanálise. Sinal de que pouca coisa mudou desde a Roma antiga.

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