Cerca de 800 mil meninas entre 15 e 19 anos deverão dar à luz este ano em todo o Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, o número dobrou em relação à década de 80. Há 20 anos, 12,5% do total de partos eram de mães adolescentes. No último levantamento, feito em 1998, esta porcentagem subiu para 25,4%. Os motivos que levam meninas tão jovens a engravidar são muitos e complexos, mas há uma certa unanimidade entre os médicos quanto a que a falta de informação já não é o principal deles.

Entre as pacientes do serviço de pré-natal para adolescentes do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, por onde passam cerca de 300 meninas todos os anos, 92,4% afirmam conhecer pelo menos um método de contracepção, 20,8% “esquecem” de usá-lo e 21% desejam a gravidez. “O problema é que conhecer não significa usar. A gravidez na adolescência está relacionada com o processo de transição típico da idade, marcado por muitas ambiguidades. É a fase do querer e não querer, do conhecer e esquecer”, teoriza a ginecologista paulista Albertina Duarte Takiuti, coordenadora do programa da mulher e do adolescente, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. A gravidez é um risco sempre presente no início da atividade sexual e Albertina explica que muitas vezes ela acontece pela simples curiosidade em testar a própria feminilidade ou pelo desejo de criar um fato novo.

A adolescente paulista Raquel Rodrigues, 18 anos, estava no segundo ano do ensino médio quando conheceu o estudante Cléber Rodrigues, um ano mais novo, e decidiu ter um filho com ele. Teve uma filha, Juliana, de um ano e quatro meses. “Era uma maneira de me tornar mulher de verdade. Foi como transpor um muro em minha vida”, diz Raquel, que hoje vive com o marido e a filha na casa dos sogros e voltou a cursar o ensino médio. Transposto o muro, ela agora vê a decisão com mais pragmatismo. “Se tivesse adiado um pouco o meu projeto, poderia ter estudado e hoje teria uma profissão”, admite a moça, que deseja concluir o ensino médio e tentar uma vaga em odontologia numa universidade pública.

Fórmula mágica – A idéia de “transpor um muro” ajuda a explicar o delicado momento vivido por estas adolescentes, que biologicamente já são mulheres, mas psicologicamente ainda são meninas. “Ao mesmo tempo em que expressa força, a idéia de ter ido além de uma fronteira sugere fragilidade e receio quanto ao futuro”, explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade, da Universidade de São Paulo. Autora do livro Pronta para voar, a psicóloga carioca Diana Dadoorian acredita que a gravidez, em muitos casos, é desejada para reparar os sentimentos de carência afetiva, de falta de projetos de vida e de indefinição de um papel na sociedade. “A adolescente escolhe, inconscientemente ou não, o papel social que lhe é mais familiar. E nesta fase ele ainda é o de ser mãe”, observa Diana. “Isso acontece tanto entre as meninas de baixa renda como entre as das classes média e alta, embora adolescentes de maior poder aquisitivo costumem optar pelo aborto”, diz Diana.

A gravidez, aponta Diana, surge como uma fórmula mágica para preencher um certo vazio emocional. Por isso mesmo muitas destas meninas têm apenas uma vaga idéia do que as espera com a chegada do primeiro filho. A universitária paulista Juliana Bahia, 21 anos, deixou a casa dos pais em São Paulo para viver com o namorado, Alexandre Vaz, na cidade carioca de Visconde de Mauá, quando tinha 17 anos e descobriu que estava grávida. “Vivíamos em uma casa pequena, vendíamos artesanato e eu achava que seria muito feliz cuidando da casa e sendo mãe de uma penca de filhos”, diz Juliana, que desejou a gravidez, mas não a planejou. No quinto mês de gestação, a falta de infra-estrutura e os poucos recursos do casal fizeram Juliana voltar para a casa dos pais, onde vive com o filho, Leo Hash (significa sol poente em tupi-guarani), três anos. Juliana cursa hotelaria numa faculdade particular em São Paulo e Alexandre ficou em Mauá. “O nascimento de Leo direcionou a minha vida. Me sentia perdida. Se minha família não tivesse apoiado, talvez eu não visse tudo o que se passou de maneira tão cor-de-rosa”, pondera.

Colaborou Eliane Lobato

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail
Pílula na escola
Preocupado com o aumento dos casos de gravidez na adolescência, o departamento de saúde do Reino Unido decidiu autorizar as enfermarias das escolas a distribuir pílulas (anticoncepcionais) do dia seguinte às alunas. O medicamento é recomendado para prevenir a gravidez após uma relação sexual sem preventivos. Segundo as normas definidas pelas escolas, as adolescentes poderão tomar a pílula sem precisar contar aos pais. A medida foi inspirada na experiência francesa, que há um ano fornece contraceptivos às estudantes e conseguiu reduzir os casos de aborto no país em 30%. A decisão gerou polêmica. “Ela banaliza a contracepção, estimula o sexo casual e aumenta os riscos de contração de doenças sexualmente transmissíveis”, disse o médico Peter Saunders à rede de notícias BBC. A psiquiatra Carmita Abdo acredita que a pílula poderia ser um recurso eficaz no Brasil se as escolas contassem com acompanhamento médico e psicológico para evitar o uso indiscriminado do medicamento. “A pílula seria só o detalhe de um trabalho mais amplo de prevenção da gravidez precoce”, observa Carmita. Mais importante do que distribuir a pílula do dia seguinte nas escolas, avalia a psiquiatra, é levar em conta a ambiguidade de sentimentos das adolescentes nas campanhas de prevenção da gravidez precoce e educação sexual. “Além de incentivar o uso de preservativos, as campanhas deveriam ajudar a fortalecer o raciocínio dessas jovens para que elas percebam a inadequação da maternidade precoce”, ressalta. Ela também sugere que se trabalhe o adiamento desse projeto. “Temos de mostrar que a gravidez pode ser substituída por algo mais compatível com essa faixa etária, como o emprego e o estudo”, diz Carmita.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias