A faxina ética no Senado, que começou com a cassação do mandato de Luiz Estevão (PMDB-DF) e a renúncia de Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), de José Roberto Arruda (ex-PSDB-DF) e de Jader Barbalho (PMDB-PA), enfrentará na próxima semana um teste decisivo. O Conselho de Ética do Senado votará na quinta-feira 18 um parecer da senadora Heloísa Helena (PT-AL) que servirá como verdadeiro divisor de águas no Congresso Nacional. Amparada em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e em decisão anterior do próprio Senado, ela sustenta que deputados e senadores podem ser punidos por falcatruas praticadas antes de assumirem o mandato. Em um relatório de 23 páginas, Heloísa Helena propõe a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra o senador paraense Luiz Otávio Oliveira Campos (sem partido) pelo desvio de R$ 37 milhões de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de 13 balsas que nunca saíram do papel, conforme denúncia publicada na edição 1585 de ISTOÉ, de fevereiro de 2000. Luiz Otávio é réu confesso – em três depoimentos ao Conselho de Ética, ele confirmou que emitiu notas frias para burlar a fiscalização do BNDES e do Banco do Brasil. A confissão é uma tentativa esperta para se livrar da cassação do mandato: formalmente Luiz Estevão e Jader Barbalho foram punidos por mentir aos colegas, e não pela participação nas fraudes do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) e do Banco do Estado do Pará (Banpará). “Essa votação será decisiva para o resgate da credibilidade popular do Senado”, avalia Heloísa Helena.

O caso Luiz Otávio é exemplar. Após três anos de investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público desvendaram a roubalheira, indiciaram o senador e encaminharam o processo ao STF. No comando da Rodomar, uma empresa familiar especializada em transporte fluvial, Luiz Otávio havia conseguido o financiamento para construir 13 balsas. Em conluio com a empresa Estaleiros da Bacia Amazônica (Ebal), recebeu a fortuna e não construiu nada. “O senador Luiz Otávio, em nome da Rodomar, deu quitação, em agosto de 1992, do recebimento de balsas que não foram construídas, apondo sua assinatura em notas fiscais emitidas pela Ebal. Esse fato é confirmado não só pelo relatório da Polícia Federal, mas também pela confissão do próprio denunciado”, ressalta Heloísa Helena. Parte do dinheiro arrecadado com o golpe no BNDES foi usado no pagamento de outras dívidas do grupo com o Banco do Brasil. “O denunciado praticou delito penal, auferindo disso vantagem indevida, em prejuízo de instituição financeira oficial e infringiu, pelo concurso de suas ações e omissões, o decoro parlamentar”, escreveu a senadora. Mesmo com todas as provas contra Luiz Otávio, senadores do PMDB e do PFL articulam nos bastidores a rejeição do parecer, na expectativa de interromper o processo de limpeza no Parlamento. Querem fechar as portas para novas punições no Congresso de parlamentares que, no passado, cometeram crimes.

Alto padrão – Entre as 23 denúncias contra deputados que lotam os escaninhos da Corregedoria da Câmara, várias se referem a atos praticados antes de os acusados terem sido eleitos. Esse é o caso do deputado Luiz Antônio Medeiros (PL-SP), acusado por seu ex-assessor, Wagner Cinchetto, de desviar dinheiro do Instituto Brasileiro de Estudos Sindicais (Ibes) para uma conta no Commercial Bank de Nova York, no início dos anos 90. Na época, Medeiros era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e – com a ajuda do então presidente Fernando Collor e de empresários – fundou a Força Sindical, segunda maior central de trabalhadores do País. Com a confissão de Cinchetto, que também participou do esquema, o Supremo determinou a quebra de seu sigilo bancário e a do Ibes. De acordo com a denúncia, o Ibes recebeu de empresários cerca de R$ 2 milhões. “Vou pedir material da Polícia Federal, da Receita Federal, e dados bancários e fiscais do deputado Medeiros. Se forem confirmadas as denúncias de remessa ilegal de dinheiro para o Exterior, não terei dúvidas de que houve quebra de decoro”, avalia o corregedor Barbosa Neto (PMDB-GO).

Com a mesma linha de defesa do senador Luiz Otávio, Medeiros quer evitar ser pego na mentira. Ele admite que recolheu doações de empresas que teriam sido intermediadas por Luiz Estevão, para montar a Força Sindical. Mas nega ter desviado recursos para o Exterior. Alega que, se isso de fato aconteceu, foi à sua revelia. “Eu sou inocente. Posso ter cometido um pecado ideológico, mas crime, não. Sou a bola da vez. Há uma grande articulação política por trás disso, de gente muito poderosa”, defende-se. Na alça de mira do recém-criado Conselho de Ética da Câmara, Medeiros tem muito a explicar. Por exemplo: como consegue manter um padrão de vida que contrasta com seus salários de parlamentar e sindicalista. Há dois meses, ele se mudou para uma mansão na Granja Viana, em Cotia, distante 30 quilômetros de São Paulo, avaliada em mais de R$ 500 mil. Segundo corretores, trata-se de um imóvel com 700 metros quadrados de área construída, piscina e sala de ginástica. Aliados de Medeiros aguardam com ansiedade a reunião do Conselho de Ética do Senado. Se for rejeitado o parecer de Heloísa Helena, vão usar a decisão do Senado para tentar salvar o pescoço de Medeiros. Mas há uma turma de deputados que nem isso pode alegar.

Nas prateleiras do corregedor da Câmara, há três pedidos de processo contra o deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), presidente do Vasco da Gama, que também vai ser indiciado pela CPI do Futebol do Senado Federal. Todas as acusações são referentes a atos praticados por Eurico – como o desvio de dinheiro do Vasco – já como deputado federal. Quem também era parlamentar quando se envolveu no escândalo do rombo bilionário da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) é o deputado José Priante (PMDB-PA), primo e parceiro do ex-senador Jader Barbalho. Outro que aguarda parecer do corregedor é o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM), apontado como um dos mentores da farsa amazônica que envolveu o deputado estadual Mário Frota (PDT) em uma gravação falsa. O deputado Barbosa Neto nega que esteja engavetando denúncias e promete uma rápida decisão sobre a acusação de ligações com o crime organizado do Acre contra o deputado José Aleksandro (PSL-AC), que assumiu o mandato com a cassação do ex-deputado Hildebrando Pascoal, aquele que usava uma motos-serra para amputar seus desafetos.

Faxina adiada – Enquanto o Senado se prepara para decidir se continua o processo de depuração, na Câmara a limpeza ainda não começou. Na tarde da quarta-feira 10, os deputados prorrogaram por 40 dias os trabalhos da CPI das Obras Inacabadas. Criada para apurar falcatruas em projetos financiados com dinheiro público, a comissão teve os trabalhos encerrados quando líderes partidários receberam de empreiteiros denúncias de que deputados da CPI estariam cobrando propina para não investigar suas empresas. Foi instalada uma sindicância que não conseguiu apurar nada. O líder do PSDB, Juthay Júnior (BA), negou-se a puxar o fio da meada e não revelou o nome do empresário que apontou como achacadores o presidente da CPI, Damião Feliciano (PMDB-PB), e o deputado Norberto Teixeira (PMDB-GO). Outros parlamentares que foram alertados por empreiteiros sobre maracutaias na comissão também preferiram o silêncio. “A própria CPI, que voltará renovada e tem poder de quebrar sigilos, deverá continuar a apuração”, chegou a prever na terça-feira 9 o deputado Moroni Torgan (PFL-CE), que participou da sindicância. Aposta errada. Apesar do festival de suspeitas, a CPI vai retomar os trabalhos com os mesmos integrantes, inclusive Damião e Norberto. “Como a sindicância não chegou a nada, não tive por que substituí-los”, justifica o líder do PMDB na Câmara, deputado Geddel Vieira Lima (BA).