Vem de um dos principais juristas da área constitucional a solução para uma das mais intricadas questões na área penal – as precárias condições das penitenciárias brasileiras. Com base na bem sucedida experiência italiana e num voto de 63 páginas, o ministro do STF Luís Roberto Barroso acaba de propor que a indenização por danos morais a presos que a pleiteiam na Justiça pelo tratamento indigno a que são submetidos seja paga não em dinheiro mas, sim, descontando-se dias da pena à qual estão condenados. Como necessariamente toda ação de indenização envolve a área civil e é pecuniária, o voto de Barroso faz com que ela migre para o campo penal. Em qualquer ação indenizatória tem-se de provar o ato ilícito, o dano, a culpa e o nexo causal entre um e outra. Assim, o preso também terá de provar o ato ilícito (a ação ou omissão do Estado que venha degradando a sua dignidade), o dano e o nexo de causalidade (a questão da culpa é presumida porque a responsabilidade do Estado é objetiva, artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal).

Uma das principais garantias fundamentais fixadas na Constituição é a incolumidade da dignidade humana (ainda ecoa em nossa cabeça a declaração do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que prefere morrer a cumprir pena numa penitenciária brasileira). O direito do presidiário à indenização é portanto ponto pacífico, desde que ele prove que sua dignidade está sendo ferida. O que se discute no voto de Barroso, que coloca o Brasil na modernidade do direito, é a possibilidade de se adotar mecanismo de reparação alternativo, dando-se preferência ao ressarcimento com desconto da pena (remição prevista no artigo 126 da Lei de Execução Penal), ao invés da indenização em dinheiro (pecúnia). “O voto do ministro Luís Roberto Barroso é brilhante, assim como o são os questionamentos de seus pares. Ele abre um debate novo e inteligente”, diz a advogada Maristela Bacco, uma das mais conceituadas civilistas do País que já atuou em execução de pena no terreno criminal. “Mas há uma questão que precisa ser definida em lei: o preso que ganhar a remição, que em princípio tem natureza penal, perde o direito de pleitear e receber dinheiro na área civil?”.

Embora o voto seja essencialmente técnico, como deve ser todo voto no STF, ele produz desdobramentos políticos: o primeiro é que o Poder Legislativo terá de legislar sobre essa sinergia entre dois territórios do direito; a segunda consequência é que a remição, ao satisfazer o preso que busca o quanto antes a liberdade, auxilia também o Poder Executivo que economizará dinheiro com indenizações. Consequência lógica é que então poderemos cobrar do governo federal iniciativas que transformem os presídios em lugares habitáveis, já que ele não estará despendendo dinheiro com o pagamento de indenizatórias – e isso é bom porque até hoje não saiu do chão o Plano Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lançado por Dilma Rousseff em 2011. Cem convênios foram assinados com diversos Estados para a criação de 46 mil vagas no sistema (o Brasil tem déficit de 240 mil) ao custo de R$ 1,2 bilhão. Nada andou — e quanto mais existir cadeia superlotada, mais existirá ação de indenização. “Ninguém poderá seguir o raciocínio ingênuo de que o ministro está encurtando pena de presidiário. Ele está simplesmente fazendo cumprir a Constituição quando manda indenizar, seja na moeda-dinheiro ou propondo a moeda-remição”, diz a advogada Maristela.

Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ