Nós não vamos ceder às pressões dos Estados Unidos. Nossa televisão é livre e assim continuará. E o governo do Catar nos apóia totalmente porque acredita que somos independentes. Trabalhamos como qualquer outra redação de jornalistas, não inventamos a notícia. Se os jornalistas americanos tiveram independência para descobrir um escândalo como o caso Watergate, por que nós também não podemos ter?” Esta foi a resposta dada a ISTOÉ pelo editor-chefe da televisão Al-Jazeera, Ebrhaim Helal, sobre a solicitação feita pela Casa Branca ao governo de Catar para que barrasse algumas transmissões consideradas “antiamericanas”. Primeira rede de televisão em cadeia do mundo árabe-muçulmano, a Al-Jazeera (a ilha em árabe) fica 24 horas no ar e é mantida pelo governo de Catar. A rede se transformou num incômodo à política de Washington depois de divulgar as fitas de vídeo com as falas de Osama Bin Laden. O presidente George W. Bush pressionou o sheik catariano, Hamad bin Khalifa al Katani, que estava em visita a Washington, para dar um fim à divulgação das fitas. O sheik se recusou. “A questão está encerrada, pois a vida parlamentar exige que tenhamos uma mídia livre”, afirmou.

O pronunciamento de Bin Laden, transmitido mundialmente no domingo 7, logo após o discurso de Bush sobre os ataques no Afeganistão, caiu como uma bomba nos lares americanos. Vestindo roupas militares, com um fuzil AK-47 e ao lado de membros da direção da al-Qaeda e da Jihad Islâmica egípcia, Bin Laden discursou em fala mansa, mas ameaçadora. O terrorista jurou, em nome de Alá, que os EUA nunca mais poderão viver em paz e convocou os muçulmanos para uma guerra santa. “Deus abençoou um grupo de muçulmanos de vanguarda, a dianteira do Islã, para destruírem a América”, prometeu.

Diferentemente de outras guerras recentes, o conflito do Afeganistão está sendo registrado pelo outro lado. Nos domínios do Taleban, apenas os jornalistas da Al Jazeera tiveram permissão para permanecer, enquanto a mídia ocidental foi expulsa. Além dos discursos de Bin Laden, a televisão catariana foi a única a transmitir os bombardeios dos EUA, desbancando até a todo-poderosa emissora americana CNN, a estrela da Guerra do Golfo, que tentou retransmitir com exclusividade as imagens da tevê árabe via satélite. O premiê britânico, Tony Blair, usou a mesma Al-Jazeera para enviar uma mensagem aos países árabes. Numa entrevista feita em Londres, Blair disse que a al-Qaeda de Bin Laden é “uma ameaça tão grande aos países árabes moderados quanto o Afeganistão”.

Para o crítico de televisão Gabriel Priolli, “Bin Laden e o Taleban têm um planejamento estratégico de mídia e a Al-Jazeera foi a escolhida para dar sua versão ao mundo árabe. Na Guerra do Golfo, o próprio Saddam Hussein escolheu a CNN para uma entrevista exclusiva. Em dez anos, os árabes aprenderam que mesmo nas mãos de uma CNN e sua postura independente, a cobertura seria melhor com uma versão árabe”, disse Priolli.

O editor-chefe da Al-Jazeera, Ebrhaim Helal, disse a ISTOÉ que as fitas com os depoimentos de Bin Laden foram entregues à redação pelos membros do Taleban na sucursal de Cabul. A Al-Jazeera é a tevê de maior inserção no mundo árabe e desafiou a censura onipresente nos países do Oriente Médio. Começou há cinco anos, com um orçamento de US$ 150 milhões (a maior parte do governo do Qatar), com a proposta de fazer programas alternativos às novelas e aos filmes egípcios. Segundo seu presidente, Mohammed Jassem Al Ali, desde seu início, a emissora se propôs a fazer um jornalismo independente dos governantes. “A cobertura é ampla. Eles têm correspondentes em todos os países do Oriente Médio”, contou o brasileiro Luiz Alberto da Costa, preparador de goleiros do Fluminense, que trabalhou 13 anos na seleção de futebol do Catar.

A rede surgiu de um racha na família real catariana. O atual emir Hamad bin Khalifa al Tani derrubou seu pai em um golpe em 1995. Para fazer frente à influência dos sauditas sobre as elites de seu país, o novo soberano resolveu fundar uma televisão. Um ano depois do “parricídio”, contratou jornalistas árabes da BBC para montar a primeira rede árabe sem intervenção saudita. Nesses cinco anos de existência, a emissora vem incomodando gregos e troianos, ou melhor, árabes e israelenses, além de receber alfinetadas de países ocidentais. “Esta não será nem a primeira nem a última vez que recebemos ameaças de censura. Mas sabemos que isso não fará com que fechem a televisão”, garantiu o editor Helal. Em 1998, o Sindicato das Emissoras dos Países Árabes vetou a admissão da Al-Jazeera em suas fileiras. A entidade deu um prazo de seis meses para que a emissora “se enquandrasse nas regras da casa”. A Al-Jazeera recusou e causou uma balbúrdia na internet. Durante os confrontos da Nova Intifada, iniciados há um ano, a Autoridade Palestina fechou sua sucursal nos territórios de Gaza e Cisjordânia. Mesma medida já tinham tomado a Jordânia e o Kuait. Com o recente sucesso da televisão, a Al-Jazeera certamente não fechará suas portas por falta de dinheiro, mesmo que algumas emissoras deixem de retransmitir suas imagens, como aconteceu com a CNN.

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