Na semana passada, o Ministério Público da Argentina identificou o sujeito que disparou um composto químico em direção aos jogadores do River Plate, na partida pela Taça Libertadores contra o arqui-rival Boca Juniors. Trata-se de Adrián Napolitano, torcedor do Boca conhecido como “El Panadero” (o padeiro, em português). Segundo as investigações, ele usou um produto conhecido como “mostacero”, que contém ácido e pimenta picante. Por isso, os jogadores do River sofreram queimaduras e, também por isso, o Boca foi excluído da competição. Nos últimos dias, nenhum nome foi tão falado na Argentina quanto o de Adrián, que recebeu o apelido de “padeiro” porque o pai tem uma rede de padarias. O autor dos ataques no estádio La Bombonera não é apenas um delinquente das arquibancadas. Reconhecido como um feroz barra-brava, como são chamados os torcedores ultra-violentos em diversos países da América Latina, ele exerce muitas outras atividades que extrapolam o universo do futebol. Suas poderosas conexões chegam ao meio sindical, avançam para a política e, suspeita-se, podem até envolver ações criminosas.

abre.jpg
VIOLÊNCIA
Jogador ferido e fanáticos na partida entre Boca Juniors e River Plate:
confusão armada para derrubar presidente do Boca

BARRA-01-IE.jpg

A Argentina tem características específicas que estimulam o aparecimento e a sobrevivência de grupos como os barra-bravas. A promiscuidade entre interesses políticos, econômicos e sindicais permite que um torcedor lunático trabalhe a soldo para um líder sindical ao mesmo tempo em que grita o nome de seu time em um campo de futebol. Ou que promova, sempre movido por ambições escusas, campanhas difamatórias – ou apoios explícitos – contra ou a favor de determinados grupos políticos. Sempre foi assim. Na ditadura, os barra-bravas prestaram serviços ao aparato da ditadura. Anos depois, na redemocratização, se dedicaram à organização sindical com o mesmo vigor com que se meteram na vida política da província de uma Buenos Aires recém-saída do jugo dos militares. O multifacetado peronismo é um exemplo da mistura de propósitos opostos e, graças à sua teia intrincada de interesses, se tornou o retrato acabado da sociedade argentina.

É ancorada na combinação de tudo isso que um grupo como os barra-bravas se mantém. Adrián é sócio da torcida La 12, considerada a mais violenta do País. Ele costuma assistir aos jogos em uma bancada inferior do estádio La Bombonera, num espaço reservado a um grupo apelidado de “Los Digón Boys”. Eles são assim chamados porque trabalham para o sindicalista Roberto Digón, que controla uma organização da área do tabaco. Segundo o jornal argentino Clarín, Adrian também faz parte do recém-criado Nuevo Boca, grupelho criado por Digón que tem duas ambições principais. A primeira é derrubar o atual presidente do Boca Juniors, Daniel Angelici. A segunda é assumir o poder no clube.

IE2373pag70a71_Barrabravas-2.jpg

Outro detalhe interessante: Angelici é aliado do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, rival de Cristina Kirchner e postulante à presidência da Argentina. Ao prestar serviços para o sindicalista Digón, fazendo de tudo para atrapalhar os planos do presidente do Boca, Adrián trabalha a favor de Cristina, já que Macri tem subido nas pesquisas. Na semana passada, a mídia argentina, acostumada aos enredos conspiratórios, especulou que o ataque contra os jogadores do River – e toda a confusão armada em torno do jogo da Libertadores – tinha a intenção de derrubar Angelici. Em parte, funcionou. Pressionado, Angelici foi obrigado a renunciar ao cargo de vice-presidente Associação do Futebol Argentino.

O caso citado acima demonstra que, em diversos aspectos, os modus operandi dos barra-bravas são parecidos com os de mafiosos. Ardilosos, eles são capazes de urdir planos muitas vezes complexos – e, com uma frequência assustadora, são bem-sucedidos nisso. Em 2010, às vésperas da Copa do Mundo da África do Sul, foram recrutados pelo governo da então presidente Cristina Kirchner para promover atos políticos. Em troca, receberam 232 passagens para ir à Copa, com direito a estadia paga. Na África do Sul, promoveram a costumeira baderna e foram acusados de matar um torcedor. Apesar disso, nenhuma investigação foi feita e, claro, ninguém foi punido. Outro caso emblemático aconteceu em uma partida na La Bombonera em 2009, num jogo entre Boca e River. A mando do ex-presidente Néstor Kirchner, os barra-bravas dos dois clubes exibiram faixas contra o Grupo Clarín, maior opositor ao Kirchnerismo. O ato foi batizado de “Plano Superclássico”. “O futebol tem uma adesão gigante no mundo inteiro e movimenta um volume extraordinário de capital”, diz o antropólogo Carlos Frederico Lucia, professor da ESPM. “O esporte, portanto, é um disfarce perfeito para ocultar os outros tipos de negócios que os barras fazem.”