17/10/2001 - 10:00
O temor de uma guerra biológica está aumentando nos Estados Unidos. A morte do fotógrafo Bob Stevens, 63 anos, na sexta-feira 5, por causa da bactéria do antraz, e a confirmação na semana passada de que um homem, Ernesto Blanco, 73 anos, e uma mulher de 35 anos estão infectados pelo microorganismo provocaram uma onda de pânico entre os americanos. Stevens, Blanco e a mulher (cujo nome não foi revelado) trabalhavam na editora American Media, de Boca Raton (Flórida). O prédio da empresa foi interditado e o caso está sendo minuciosamente investigado pelo FBI. Isso porque o Bacillus anthracis, causador da infecção, pode ser transformado numa poderosa arma biológica.
Os dois infectados estavam internados e passavam bem até o fechamento desta edição. Eles não chegaram a desenvolver os sintomas da doença (parecidos com os da gripe) e por isso suas chances de recuperação são grandes. O bacilo normalmente ataca animais de pastoreio, como bois e cabras. Os poucos casos de humanos infectados até hoje se restringem a criadores, veterinários e outras pessoas que vivem em contato com esses bichos. Como a última morte registrada nos Estados Unidos aconteceu em 1976, o medo se instalou entre a população. Mais de 800 pessoas já passaram por exames. Algumas estão em tratamento preventivo com antibióticos. Outras tomaram a vacina contra o antraz (leia quadro abaixo). A venda do antibiótico Cipro, do laboratório Bayer, usado no tratamento de infectados, aumentou quase 30% nos últimos dias. Qualquer substância ou envelope estranhos são investigados. Em relação à morte de Stevens, a principal suspeita é que a bactéria tenha chegado à editora por meio de uma carta. Como os nervos dos americanos andam à flor da pele, uma verdadeira operação de guerra foi montada na terça-feira 9 por causa de um líquido jogado por um homem em uma estação do metrô de Washington. Era um produto de limpeza.
O FBI não acha que a contaminação descoberta na American Media seja fruto de um ataque terrorista, já que, em uma ofensiva, mais gente seria contaminada. Há outro dado a considerar. Foram encontradas semelhanças entre a bactéria que vitimou Stevens e uma linhagem fabricada para pesquisa de um laboratório de estudos veterinários, realizada em 1950, em Iowa (EUA). De uma forma ou de outra, o Centro de Controle de Doenças (CDC, em inglês), órgão encarregado de combater enfermidades e prevenir epidemias, pede que os americanos não entrem em pânico. A instituição diz que não há necessidade de a população procurar um médico se não houver sintomas de doença (confira no quadro), mas pediu atenção especial a possíveis problemas respiratórios.
A cautela se justifica. “Pesquisas científicas indicam que 50 gramas da bactéria, que é de fácil produção em laboratório, pode matar até 120 mil pessoas em uma cidade de 500 mil habitantes”, afirma o infectologista Antônio Carlos Pignatari, professor da Universidade Federal de São Paulo. Ele conta que a bactéria é considerada uma boa arma por sua capacidade de entrar nas vias aéreas mais profundas. “Os esporos (um tipo de cápsula) da bactéria são inodoros e invisíveis. Não provocam nem mesmo espirro ou tosse que ajude a expeli-los. Sua entrada no corpo é simples e sua ação certa”, completa.
A bactéria do antraz tem potencial de arma justamente por formar esporos, estrutura desenvolvida por ela quando não tem condições de se reproduzir. Se um animal contaminado morre e não é queimado, o organismo consegue sobreviver. Depois da decomposição do bicho, a bactéria se transforma nessas cápsulas, vivendo por anos. Outra característica do microorganismo é que a temperatura externa não o afeta. Ele poderia, portanto, ser lançado em qualquer lugar do mundo. O professor da disciplina de doenças infecciosas e parasitárias da USP Marcos Boulos diz que, como os sintomas da doença são semelhantes ao da gripe, o diagnóstico fica prejudicado. “Se os sintomas estão instalados e o pulmão já foi tomado, é difícil salvar a pessoa. Os antibióticos têm ótima ação, mas precisam ser usados logo após a inalação da bactéria”, diz. O governo americano, na quarta-feira 10, exigiu que as embaixadas dos EUA tivessem um antibiótico contra a bactéria, que não é transmitida de pessoa para pessoa, mas é disseminada facilmente pelo ar quando está na forma de esporos.
Mesmo com a avalanche de informações que o caso da American Media provocou, o infectologista Carlos Armando de Avila, do Hospital do Servidor Público de São Paulo, garante que tudo o que se fala sobre os poderes do antraz e de seu uso como arma de guerra são apenas suposições. “Não existem muitos pesquisadores especializados na bactéria. O que temos hoje são dados teóricos”, diz. O pesquisador Silvio Valle, coordenador do curso de biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz (no Rio), não acredita que o organismo seja utilizado como arma para epidemias de grandes proporções. “É possível que ele seja utilizado em atentados isolados, como parece ocorrer agora nos EUA”, conclui.
Os tipos da doença |
• Cutânea – Ocorre por contato da pele com lã, couro ou pêlo de animais contaminados. Forma-se uma lesão local, que, se for tratada de forma adequada, é facilmente curada. É o tipo mais comum da doença e também o menos grave. Apenas 20% dos casos mal tratados levam à morte • Inalatória – Quando se inalam esporos da bactéria do antraz, eles atingem o pulmão. É fatal na maioria dos casos. Os sintomas iniciais parecem os da gripe, mas logo evoluem para problemas respiratórios e paralisia • Gastrointestinal – Quando é ingerida carne mal cozida de um animal contaminado. Os principais sintomas são náusea, perda de apetite, vômito de sangue, dor abdominal e forte diarréia. É fatal de 25% a 60% dos casos |
Colaboraram: Celina Côrtes e Lena Castellón