Antes de começar a ser bombardeado pelos Estados Unidos, o Afeganistão registrava um PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 21 bilhões, o que significa uma renda média anual de US$ 800 para cada um de seus 26 milhões de habitantes. Penúria talvez seja uma palavra fraca demais para definir a situação econômica do país. Apenas a Exxon Mobil, a maior empresa americana, faturou no ano passado US$ 228,4 bilhões, ou o equivalente a mais de dez PIBs afegãos. Tanta insignificância financeira não impede o país de estar no centro das atenções de toda a comunidade econômica mundial.

O início dos bombardeios, na verdade, pouco mexeu nos indicadores e nas expectativas dos analistas. Como bem definiu o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão, o contra-ataque americano já estava “no preço”. Mas, graças à ameaçadora aparição televisiva de Osama Bin Laden, logo após o início dos ataques, toda a economia mundial está com a respiração presa, de olho nos desdobramentos do conflito nas colinas e desertos de um dos lugares mais miseráveis do mundo.

A reação americana era óbvia e suas consequências imediatas já haviam sido absorvidas pelos agentes econômicos. Mas o medo, vitaminado pelas ameaças de Bin Laden, congelou as ações. Na segunda-feira 8, por exemplo, a Bolsa de Valores de São Paulo teve seu pior volume de negócios desde 1995 – apenas R$ 248 milhões trocaram de mãos durante o pregão, ou menos da metade da média em dias normais. O índice caiu apenas 1%. Nem Wall Street se assustou com o início dos bombardeios, e fechou com ligeira queda de 0,57%. O câmbio, o mais sensível dos indicadores no período pós-atentados, também pouco se mexeu no primeiro dia útil após o início da ofensiva.

Apreensão – “Todo o mundo está apreensivo para ver quais serão os desdobramentos dessa ação militar”, diz o presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli. “E essa apreensão provoca uma paralisia geral de todos os mercados”, afirma o executivo. A construção de cenários futuros varia, agora, de acordo com a perspectiva de duração do conflito, da participação de outros países na guerra e da capacidade de reação dos grupos terroristas – talvez a mais sombria de todas as possibilidades. O rumo da economia americana é outra incógnita. Se o consumo voltar a crescer logo, algum alívio virá. No front externo, há temores de que, castigados pelas consequências do conflito e precisando se reerguer, os Estados Unidos passem a viver um período de portas fechadas para o mundo, privilegiando sua produção interna – o que seria desastroso para o Brasil. Os fatores que levariam o governo Bush a tomar uma medida radical em relação às compras externas, como o consumo interno em baixa e a taxa de desemprego em crescimento acentuado, já existem. A reavaliação das previsões de lucros das empresas também já vêm ocorrendo, invariavelmente para baixo.

“O melhor cenário seria um esforço americano de investimentos sem a adoção de medidas de protecionismo econômico”, diz Horácio Lafer Piva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo Piva, o conflito já afeta os níveis de exportação e cria uma crise psicológica. “Isso retrai a economia e os prêmios de risco aumentam. Mas só vamos ter uma noção melhor das conseqüências em dez ou 15 dias”, diz. Piva alerta também para a dependência brasileira de investimentos externos. Ainda não existem indicadores precisos do apetite estrangeiro na fase pós-atentados. Mas alguns fatos pontuais já preocupam, como a desistência dos grupos AES (americano) e Endesa (espanhol) em participar do leilão da Copel, a companhia de energia do Paraná.

A capacidade histórica de reação e transformação da economia americana traz algum alento no médio prazo. Afinal, foi logo após a guerra no Golfo Pérsico, no início da década de 90, que o país iniciou um ciclo de crescimento sem precendentes, encerrado no ano passado. O desafio, ao menos por enquanto, é criar coragem e apostar na virada. Afinal, qualquer passo em falso pode transformar o medo em pânico.

Brasil cede no Mercosul
para ajudar Argentina

Após meses de desentendimentos públicos sobre os destinos do Mercosul, Brasil e Argentina finalmente falaram a mesma língua na terça-feira 9. Reunidos em São Paulo, os ministros Domingo Cavallo e Pedro Malan se comprometeram a criar uma espécie de OMC (Organização Mundial do Comércio) regional. É na OMC que países que se sentem prejudicados pela atuação comercial de outras nações vão pedir ajuda. Agora, setores em estado crítico poderão gritar por socorro, que virá em forma de impostos. O acordo é, na verdade, uma tentativa desesperada de salvar o bloco comercial, afetado pela crise argentina e pela desvalorização do real. Mas impor restrições tarifárias dentro do Mercosul significa ir contra o próprio princípio básico do mercado comum. O pacto foi encarado como uma ajuda brasileira à economia argentina (ou ao que sobrou dela), pois a proposta de criação de salvaguardas já havia sido rejeitada em 1999. Enquanto o acordo era fechado, a taxa de risco-país argentina superava a da Nigéria, até então a maior do mundo. Vale tudo para evitar o fundo do poço.