James Wygand, diretor no Brasil do Control Risks, grupo de avaliação e gerenciamento de riscos, cancelou suas viagens internacionais

Com o ataque aéreo dos Estados Unidos e da Inglaterra ao Afeganistão – o o começo da retaliação anunciada pelo presidente George W. Bush em resposta aos atentados a Nova York e Washington –, o mundo apavorado, as empresas imobilizadas, a economia mundial balançando, o Control Risks Group – concorrente da americana Kroll, uma potência no setor –, empresa inglesa que fatura US$ 70 milhões por ano no mundo (US$ 2,5 milhões no Brasil, onde está há cinco anos) avaliando e gerenciando riscos para empresas, está assoberbado de trabalho. Seus clientes, 90 dos 100 maiores na lista da revista Fortune, cujos nomes são mantidos em segredo, querem saber o que todo mundo indaga: o que vai acontecer? Nesta entrevista a ISTOÉ, James Wygand, diretor-geral da operação no Mercosul, recomenda prudência, muita prudência. Ele não duvida de que haverá uma contra-retaliação por parte de Osama Bin Laden. Seguindo o preceito que recomenda, Wygand não pretende fazer nenhuma viagem aérea internacional nos próximos dias. “Não sei para onde vai a guerra”, diz, lembrando que Alemanha, França, Canadá e Austrália podem seguir o exemplo da Inglaterra e colocar suas armas em ação contra a estrutura militar taleban e os campos de treinamento da organização Al Qaeda, de Bin Laden.

James Wygand tem uma profissão instigante. Quem algum dia na vida assistiu a um filme de James Bond, ao ouvir as histórias de James Wygand, americano de 58 anos e 36 de vaivém ao Brasil, vai dispensar o cinema. Ele comanda uma operação complexa de investigação, que envolve uma equipe diversificada de profissionais, todos especialistas. No escritório em São Paulo, trabalha com cerca de 30 contratados, alguns deles detetives daqueles que descobrem tudo no cinema. Wygand participou (quando gerente-geral da Kroll), por exemplo, da “diligência” que recuperou parte dos quase US$ 200 milhões desviados pelo então diretor do Banco Noroeste, Nelson Sakagushi. A Control investiga roubos praticados por executivos, cada vez mais frequentes e vultosos, por sinal. No momento, porém, toda a demanda de seus clientes é sobre os desdobramentos da guerra que começou com os atentados contra Nova York e Washington, dia 11 de setembro, e prosseguiu com o ataque aéreo dos Estados Unidos e da Inglaterra ao Afeganistão, no domingo 7.

ISTOÉ

O sr. acha que as pessoas que hoje estão com medo de andar de avião podem, com os ataques aéreos no Afeganistão, ficar com medo do que o presidente George W. Bush possa fazer em seguida?

James Wygand

Eu acho que há uma grande apreensão. Acho também que bombardear o Afeganistão é ver quantas vezes você pode fazer voar o que resta – o pó. É um país que foi amplamente destruído pelos russos, com infra-estrutura quase nula, um país paupérrimo. Pessoalmente, acho que uma ação contra o terrorismo não é muito militar, mas uma ação policial, de investigação, inteligência, de pegar um por um, descobrir quais são as células, desbaratar essas organizações. Acho muito difícil uma tática militar funcionar contra o terrorismo. Foi provado isso no Vietnã.

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ISTOÉ

Que tipo de orientação vocês estão dando a seus clientes?

James Wygand

 Uma das primeiras coisas que estamos sugerindo é que as companhias formem grupos para discutir os riscos: empresas de qualquer lugar do mundo, com reuniões para reavaliação todos os meses. Antes de 11 de setembro, ninguém pensaria na possibilidade de um atentado em Nova York. A partir daquele momento começa a se pensar em atentados na Pensilvânia, em Washington, Miami, Paris, Londres, Bruxelas… No Brasil, uma das coisas que devem ser avaliadas, por exemplo, é se a matriz, de repente, ficar sem poder operar. O que nós fazemos? Poderíamos cobrir os mercados para a matriz? Estamos recomendando que se analise a vulnerabilidade não somente de sua empresa, mas das empresas que estão ligadas a ela. Se você tem um fornecedor de matéria-prima que vem da Indonésia, por exemplo, e viu no jornal que a população muçulmana da Indonésia levantou a bandeira em apoio a Osama Bin Laden, claro que vai ser difícil receber essa matéria-prima. Então, comece a analisar fatores de risco que não são ligados diretamente ao terrorismo, mas que possam ser afetados pela incidência de terrorismo.

ISTOÉ

Já existe estimativa do índice de aumento de custo que esses atentados vão provocar nas mercadorias em geral?

James Wygand

Ainda não. Inclusive, nem sei se seria válido avaliar o impacto na Bolsa neste momento como uma tendência. O efeito das últimas semanas tem sido anestesiar o mundo inteiro. Jogar dois aviões contra o World Trade Center, um avião contra o Pentágono e outro que não se sabe para onde… As coisas mudaram. Eles têm intenção de repetir esse ato? Ou vão fazer alguma outra coisa? Ninguém sabe, ninguém tem realmente uma noção dos planos desses grupos, porque são grupos que eram pouco monitorados. Agora, impactos econômicos mais de longo prazo são os gastos maiores em segurança, em pessoas para guardar fábricas, em carteiras de identidade, em gastos governamentais para aumentar a segurança em aeroportos e estações de trem, tudo isso, no mundo inteiro.

ISTOÉ

Os atentados de Nova York e os bombardeios no Afeganistão mudaram o paradigma para o terror e para a guerra?

James Wygand


 Mudou tudo. Não se falava em riscos na cidade de Nova York. O risco que se falava em Nova York era semelhante ao que você encontrava em São Paulo ou no Rio: o risco de violência pessoal, acidente de carro, mas raramente um risco de um atentado terrorista.

ISTOÉ

Já é possível dizer que hoje não se está mais a salvo nas grandes capitais européias e americanas?

James Wygand

 Exatamente. Onde houver um símbolo de alguma coisa do mundo ocidental/cristão/judeu, em tese você tem riscos. Destruir a Torre Eiffel realmente é uma ação de impacto, bem como o Buckingham Palace, na Inglaterra. Todos esses símbolos que possam ser atacados hoje em dia são o alvo. A Torre Eiffel pode ser o lugar ideal para aquele suicida dramático que quer pular. Contra esse tipo de incidente há segurança, mas não contra um Boeing 767 que é lançado contra o alvo ou talvez contra um sujeito todo envolto em bombas, que sobe lá, aperta o botão e ele vai junto com a Torre Eiffel. Isso realmente é um novo paradigma para o terror.

ISTOÉ

A consequência desses atentados e retaliações seria uma guerra mundial?

James Wygand

 É guerra globalizada, não é guerra mundial. É muito mais parecida até com esse sentido globalizado de uma empresa. É uma guerra sem fronteiras. É uma guerra em que, se você representar para esse grupo de terroristas alguma ameaça em termos simbólicos ou em termos reais operacionais, você pode ser um alvo.

ISTOÉ

O sr. diz que é uma guerra não-convencional, nova e, portanto, operações inteligentes serão muito mais importantes do que operações militares?

James Wygand


Sem dúvida. O paradigma anterior era a guerra fria. Havia uma espécie de conhecimento razoável de ações terroristas, mas muitas vezes por Estados patrocinadores de uma ideologia. Então você podia mais ou menos calcular quais eram os países clientes da Rússia ou da União Soviética na época, quais eram os países clientes dos Estados Unidos e alguns limites desses países em termos de participação em uma ou outra ação contra o “inimigo”. Isso não existe mais. Ou seja, um país pode ser declarado inimigo desses terroristas temporariamente e, dependendo das circunstâncias do momento, pode conceder um indulto e não ser mais inimigo.

ISTOÉ

Outra inovação dessa ação terrorista é o uso da internet, de contas bancárias e ações na Bolsa…

James Wygand

A quantidade de cibercafés na fronteira do Paquistão com o Afeganistão é enorme. Eles usam todos esses sistemas que não identificam a fonte da mensagem, usam para comunicações pelo mundo inteiro. A área de fronteira tríplice Paraguai, Brasil e Argentina tem sido usada para comunicações telefônicas através de telefones clonados. Por meio de ligações que captam uma linha dos Estados Unidos, o sujeito mantém a linha aberta no Paraguai, no oeste do Brasil ou na Argentina, deixa-a aberta e passa recados e comunicações para todos os lugares do mundo.

ISTOÉ

Houve falha no serviço de inteligência americano?

James Wygand

Se houve falha na área de inteligência, foi a de depender demais de informações obtidas por meios tecnológicos. De que adianta monitorar, por exemplo, 50 mil conversas telefônicas em árabe se não há pessoas em número suficiente para traduzir e analisar o conteúdo das conversas? Se forem feitas em códigos, como é que se descobre o que eles estão falando? Seis semanas depois, você destrincha a conversa e descobre que 15 dias antes aquele atentado foi discutido. Informações desse tipo, particularmente de inteligência humana, são altamente perecíveis. Você lida com a avaliação das intenções das pessoas. Qual é a intenção hoje de Saddam Hussein? Só se você estiver ao lado dele.

ISTOÉ

O sr. acha que o serviço de inteligência de Israel, por exemplo, tem uma experiência razoável que, neste momento, pode ser passada aos Estados Unidos, diante do aparente despreparo de seu serviço de inteligência?

James Wygand

Tem. Outro dia, o prefeito de Jerusalém estava na televisão falando dessa questão do terrorismo e do treinamento que eles davam para as pessoas. E contou o caso de um sujeito que entrou num hospital e estava de mochila. O segurança cismou com a cara dele e disse: “Quero ver a mochila.” O sujeito passou correndo, chegou alguns passos adiante, apertou o botão e se detonou junto com a mochila. Acabou matando cinco pessoas. Se o guarda não tivesse desconfiado, teria talvez matado 50. Acho que Israel, por ter vivido dentro desse ambiente de terrorismo, de fato tem uma experiência singular nessa área.

ISTOÉ

 A El-Al, companhia aérea israelense, é a mais segura do mundo?

James Wygand

 É. A empresa usa sempre aquela estratégia recomendada para os Estados Unidos agora, ou seja, em todos os vôos sempre há um sujeito ou alguns sujeitos que são agentes e têm armas especiais que não permitem perfurar o casco do avião.

ISTOÉ

Como o sr. vê o Brasil neste momento?

James Wygand

Eu acho que a questão do Brasil vai depender em grande parte das respostas dos Estados Unidos, que já começaram, e também da maneira como o Brasil é pressionado a assumir ou não uma posição em relação a isso. Ele tem mantido uma posição de relativa neutralidade. O Brasil não é um país que adere a guerras com muita facilidade, mas obviamente não está apoiando posições terroristas. Então tem sido uma posição neutra por enquanto. Se isso pode continuar ou se isso deve continuar, não sei.

ISTOÉ

Que avaliação de risco o sr. tem do Mercosul?

James Wygand

 Eu acho difícil aglomerar esse mercado. O Chile, por exemplo, é um país de baixíssimo risco, tanto na área de violência e crime quanto na de risco político. Na Argentina, o grande problema é o câmbio. É um país que está atrelado a uma política da qual não dá para escapar. Se escapar, corre o risco de uma falência total. No Brasil, acho que os riscos são talvez um pouco mais institucionais. O País cresceu muito nos últimos 30 anos e eu acho que o crescimento das instituições não foi igual ao da economia, das cidades, da necessidade de infra-estrutura. Estou aqui há 36 anos. O que era São Paulo há 36 anos, comparado com hoje? A área metropolitana da cidade, hoje, corresponde a dois terços da Argentina. São 20 milhões de pessoas para se oferecer infra-estrutura urbana, escolaridade, hospitais. Tudo isso é o risco do Brasil – desagregação social no curto prazo, que se reflete na violência, na alta taxa de pobreza. Há uma série de coisas que, acho, são diferentes do que se encontra na Argentina ou no Chile. Uruguai e Paraguai são Estados, de certa forma satélites, da Argentina e do Brasil, respectivamente. São países pequenos.

ISTOÉ

Em relação ao Brasil, a sua empresa tem sido requisitada para avaliar a possibilidade de Lula vir a ser o sucessor de Fernando Henrique Cardoso?

James Wygand

Não posso comentar política partidária. Se falar em oposição, acho que as chances são melhores. Com as conseqüências econômicas desse incidente, a oposição tem muito mais espaço. De fato, vai subir a taxa de juros, o FMI já pressionou o Brasil para considerar um aumento de juros, a taxa de câmbio está sob pressão. Vai ser difícil realmente o Brasil fazer um roll over agora de toda a dívida de curto prazo e amortização de dívida de longo prazo com a mesma facilidade com que poderia ter feito antes. Eu acho que vai haver uma escassez de capital, até devido à necessidade de novos investimentos lá fora. Tudo isso sempre afeta o partido que está no poder, as pessoas ficam mais insatisfeitas, o que automaticamente cria um clima mais favorável para a oposição. Eu não vejo grande risco para o Brasil com o PT. Sempre perguntam: “E se o Lula ganhar?” Tem uma coisa interessante: o próprio PT está querendo mostrar uma face mais moderada. A urbanização dapopulação brasileira favorece as forças moderadas de qualquer partido. Seja quem for, da esquerda ou da direita, tem que ir para o centro. Um belo exemplo é o de Fernando Henrique Cardoso: muita gente dizia que ele era de esquerda; suas políticas, no entanto, foram de centro.


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