O Brasil se orgulha, aqui e lá fora, de praticar a autêntica democracia racial. Pega bem, mas não é verdade. A tal convivência harmoniosa entre brancos e negros é pura miragem diante da realidade estatística. Tanto é que os negros, quando ascendem socialmente, viram notícia e despertam olhares de surpresa. O engenheiro Luiz Claudio Rosa, vice-presidente de tecnologia da Lucent Technologies, por exemplo, é um dos poucos negros que conseguiram atingir o pico da pirâmide social no meio empresarial. "Acho muito importante ter pessoas com experiências diferentes trabalhando na mesma empresa", diz o executivo. Ele começou na empresa como gerente da área de negócios e foi progredindo até atingir a vice-presidência, cargo que, entre outros benefícios, lhe garante um carro importado. Pois não é que Rosa, ainda hoje, quando chega a um lugar normalmente frequentado por representantes da elite econômica brasileira muitas vezes costuma ser confundido com segurança ou motorista de algum endinheirado!

Se com ele acontece isso, imagine-se o preconceito imposto à maioria dos 75 milhões de brasileiros negros que não chega nem mesmo a concluir o ensino fundamental. Os negros são raros nas universidades e nas empresas. Sem escolaridade e qualificação, 45,3% da população negra brasileira acaba em funções subalternas.

Cotas – Excluídos do sistema produtivo, os negros ganharam um suspiro de esperança há pouco tempo: a proposta de se estabelecer cotas raciais, defendidas pela delegação brasileira na recente conferência mundial que discutiu o racismo, o preconceito e a intolerância na África do Sul. Mas eles sabem que, efetivamente, a luz no fim do túnel é de uma lanterna que reluz no setor privado, por meio de empresas que, antes mesmo da polêmica sobre as políticas de cotas e a conferência mundial, decidiram combater internamente o racismo.

A Levi’s Strauss foi uma das primeiras a adotar o que se convencionou chamar de "política de ação afirmativa", o que significa a busca de maior miscigenação dentro da empresa. "Para entender a diversidade do mercado em que atuamos, fomos obrigados a adotar uma política de diversidade", diz a gerente de Recursos Humanos, Darcilene Padilha. A iniciativa aconteceu nos anos 70 e, apesar de veterana no assunto, a Levi’s ainda não conseguiu superar em 10% a participação dos negros no seu quadro de funcionários. "Gostaríamos de ampliar, mas temos carência de mão-de-obra negra qualificada."

Nos concursos de seleção promovidos pela empresa são poucos os candidatos negros que atendem às exigências: nível universitário e inglês. Se dois candidatos tiverem o mesmo nível de qualificação, a empresa dá prioridade àquele que representa grupos de minorias. Só que, segundo a direção da empresa, é raro conseguir um candidato negro com a mesma qualificação de um branco. A assistente de vendas Gleicy Ferreira é uma das exceções. Selecionada pela Levi’s há um ano e meio, ela já assumiu as vendas da região Sul. "Se não tivesse essa oportunidade, não teria como mostrar meu potencial."

O Banco Real é uma das empresas que começam a mapear a participação dos negros em seu quadro, com a consultoria do Centro de Estudos de Relações do Trabalho (Ceert), coordenado por Maria Aparecida Bento. O Ceert orienta empresas dispostas a adotar políticas de ação afirmativa. Também a Xerox, que na sua sede, nos EUA, é reconhecida como empresa que incentiva a diversidade, aderiu e aqui no Brasil está dando os primeiros passos."Os dados estatísticos mostram que o funil começa bem antes da universidade", diz a diretora de Recursos Humanos da subsidiária brasileira, Priscilla Gripp. Daí porque a Xerox está disposta a montar um programa de adoção de adolescentes negros para prepará-los para o mercado de trabalho.

O número de analfabetos negros envergonha o País. Dados do IBGE mostram que, da parcela de 29,4% da população analfabeta, 80% são negros. Ao desenhar o Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) constatou que só a utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos indivíduos pode explicar os indicadores desfavoráveis aos trabalhadores negros. Em São Paulo, a taxa de desemprego atinge 22% dos negros e 16,1% dos brancos. No salário, enquanto uma mulher negra, em São Paulo, ganha em média R$ 399, uma branca recebe R$ 750. O salário do homem negro é de R$ 601; o do branco, de R$ 1,1 mil.

Imagem positiva – As chamadas políticas de ação afirmativa projetam uma imagem positiva para a empresa que acaba refletindo no aumento dos lucros. É esse raciocínio que o Ministério da Justiça, através do assessor especial da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, Ivair Augusto dos Santos, pretende incutir no meio empresarial. O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi o primeiro órgão do governo a dar o exemplo. O ministro Raul Jungmann apresentou há algumas semanas o plano para beneficiar servidores da sua pasta, além de comunidades negras nas regiões de assentamento.

"O preconceito racial ainda é forte no País, maior até do que o econômico", diz a presidente do Geledes – Instituto da Mulher Negra e coordenadora do Geração XXI do BankBoston, Maria Aparecida da Silva. Ela está à frente de 21 jovens negros da Grande São Paulo, escolhidos pela instituição financeira para participar do seu programa. Esses jovens serão acompanhados até o fim da faculdade. O projeto começou em 1999 e, dos 116 jovens que concorreram, apenas 21 foram aprovados. "Estamos convencidos de que o acesso ao conhecimento interfere qualitativamente na vida cotidiana das pessoas", analisa o vice-presidente do BankBoston, Marcelo José Alves dos Santos.

O Geração XXI já virou uma referência. A Xerox do Brasil está planejando importar o modelo para o Rio. "Nosso objetivo é fazer com que as grandes corporações invistam no potencial, na riqueza humana, e não na pobreza e na carência. Cada pessoa tem um potencial e deve ter o direito de desenvolvê-lo", diz o executivo do BankBoston. O lema do banco americano já começa a criar clones na luta contra o racismo.