Situado a 4.100 metros de altitude, o vilarejo de El Alto abriga cerca de 300 mil pessoas nas imediações de La Paz, a capital da Bolívia. De origem indígena, 90% dos moradores de El Alto tentaram escapar da miséria do interior, mas não conseguiram sequer fixar-se na capital. Acabaram criando um bolsão de pobreza. Com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o governo boliviano tenta agora atenuar essa situação, usando uma arma brasileira: a bolsa-escola.

Idealizada no governo Cristovam Buarque (1994-1998), no Distrito Federal, a bolsa-escola prevê uma ajuda financeira para famílias de baixa renda que matricularem e mantiverem na escola suas crianças e adolescentes. Em El Alto, o benefício acaba de ser distribuído para 600 crianças que trabalhavam nas ruas do vilarejo. “Ainda em 2001 vamos começar outras duas experiências-piloto, uma na cidade de Cochabamba, outra em Santa Cruz de la Sierra”, conta Gerardo Roloff, do Unicef em La Paz.

Um projeto similar está para ser implantado no Equador, com o objetivo de atingir 400 mil crianças das 211 comunidades mais pobres do país. “Por causa das recentes crises econômicas, o número de matrículas nas escolas diminuiu 20% em apenas dois anos”, diz Milton Luna, consultor do projeto em Quito, no Equador. Como a Bolívia e o Equador, outros quatro países também apostam na bolsa-escola em sua estratégia educacional: México, Colômbia, Argentina e Chile. Sem problemas entre os alunos do ensino fundamental, o governo chileno só destina bolsa-escola para estudantes do segundo grau.

Ao todo, incluindo o Brasil, o programa já beneficia oito milhões de crianças e adolescentes. Esse número poderá se multiplicar depois da reunião anual da Organização das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), marcada para abril, em Bruxelas, na Bélgica. Uma das propostas a serem discutidas no encontro é a conversão para bolsa-escola dos recursos que os 48 países mais pobres do mundo utilizam para pagar os juros de suas dívidas externas. Entre os defensores da idéia está Kofi Annan, o secretário-geral da ONU, que, no ano passado, apresentou o projeto para 130 ministros da Educação reunidos em Dacar, no Senegal. No seu discurso, feito em inglês, Annan fez questão de usar o termo bolsa-escola em português. “Para colocarmos na escola os 250 milhões de crianças que trabalham em todo o mundo, só precisaríamos de 13% do que se gasta com os juros das dívidas externas”, afirma Cristovam Buarque.

Desde que deixou o governo do Distrito Federal, Cristovam já visitou 27 países para apresentar o programa. Mas a bolsa-escola começou a ser exportada ainda durante a sua administração. O primeiro a se interessar pela idéia foi o México, onde 46% dos 100 milhões de habitantes vivem em estado de pobreza. Em agosto de 1997, o governo do presidente Ernesto Zedillo (1994-2000) incluiu a bolsa-escola em um projeto social mais amplo, o Programa de Educação, Saúde e Alimentação (Progresa).

No primeiro ano de implantação, o Progresa atingiu 404 mil famílias. Três anos depois, abrangia 2,6 milhões de famílias, o que corresponde a 13,8 milhões de pessoas em todo país. “O México é o país onde a bolsa-escola está mais avançada, beneficiando cinco milhões de crianças”, contabiliza Cristovam. Na trajetória do Progresa, nem tudo, porém, tem sido coerente com a proposta de combate à pobreza. Durante a campanha do ano passado, o governo Zedillo foi sistematicamente acusado de usar o programa como moeda eleitoral. Se usou, o resultado foi pífio. Seu grupo político, que estava no poder há mais de 70 anos, foi derrotado nas urnas pelo empresário Vicente Fox.

Assim que assumiu o governo, Fox avisou que manteria o Progresa, mas mudaria vários aspectos do programa por considerá-lo, como um todo, paternalista. As mudanças ainda não foram anunciadas, mas um escândalo envolvendo o Progresa acaba de estourar no México. Na época da transição governamental, descobriu-se que, de agosto de 1997 a novembro de 1999, dez mil famílias paupérrimas de 505 povoados haviam sido deliberadamente excluídas do programa. Serviram de cobaia para um estudo contratado pelo governo Zedillo. Questionada ética e moralmente, a pesquisa mostra o que todo mundo já sabe: a saúde e o desenvolvimento de uma criança são influenciados pela quantidade e qualidade da alimentação que ela recebe.